O abuso, uso problemático de álcool e dependência são os transtornos comumente relacionados ao consumo de álcool. Embora comuns, são potencialmente letais, pois podem mimetizar e exacerbar as condições psiquiátricas individuais pré-existentes, podendo diminuir, em até 10 anos, a expectativa de vida das pessoas afetadas.
Em termos epidemiológicos, os transtornos relacionados ao consumo de álcool têm sido mais prevalentes em países desenvolvidos e entre os homens. Porém, embora menores, são substanciais as prevalências desses transtornos em países em desenvolvimento.
Os critérios do “Manual Estatístico e Mental de Transtornos Mentais” (4ª edição; DSM-IV) e “Classificação Internacional de Doenças” (10ª edição; CID-10) são os mais comumente empregados para o diagnóstico dos transtornos relacionados ao uso de álcool. Variados questionários de auto-preenchimento (tais como CAGE, MAST, AUDIT, FAST E TWEAK) e testes sanguíneos também têm sido empregados, em contexto clínico, com tais fins, mas não podem ser considerados como substitutos de uma cuidadosa entrevista clínica. Além disso, seja qual for o questionário ou teste utilizado, sua sensibilidade e especificidade variam conforme as características sócio-demográficas e as condições médicas dos pacientes (ex.: sobrepeso; diabetes; consumo de tabaco), de tal forma que seu emprego deve ser bem pensado.
Assim como a maioria dos transtornos médicos ou psiquiátricos, o curso clínico dos transtornos relacionados ao consumo de álcool são previsíveis (na ausência de transtornos psiquiátricos maiores como transtornos psicóticos, de humor e ansiedade). Dessa maneira, a idade usual para iniciar o uso de álcool são os 15 anos e o período de uso mais pesado é entre os 18 e 22 anos. Já o abuso e consequente dependência do uso de álcool frequentemente têm início nos meados dos vinte anos, em um período em que, à medida que o sujeito tem um aumento de suas responsabilidades, é de se esperar que haja uma moderação do comportamento de beber.
No Sistema Nervoso Central (SNC), o álcool provoca amnésias anterógradas (blackouts alcoólicos) assim como déficits cognitivos temporários, inclusive dificuldades de resolução de problemas, de abstração, de memória e aprendizado. O uso pesado de álcool afeta o sistema cardiovascular, aumentando a pressão arterial, o nível sanguíneo de colesterol do tipo LDL, o risco de desenvolvimento de arritmias e cardiomiopatia. A incidência de câncer é a segunda causa de morte precoce entre sujeitos com transtornos relacionados ao uso de álcool, possivelmente refletindo o efeito da substância no sistema imune, podendo, por tal motivo, exacerbar o curso de Hepatite C e complicar o tratamento medicamentoso para AIDS. O uso pesado de álcool também leva à incidência de gastrite hemorrágica, pancreatite e alterações hepáticas. Além disso, acidentes fatais e problemas em recém-nascidos também devem ser considerados como consequências graves decorrentes do uso pesado de álcool. Em linhas gerais, o uso continuado de álcool aumenta, em 3 a 4 vezes, a taxa de morte precoce e a mortalidade por álcool tem contribuído para 2 a 4% das mortes entre adultos.
Quanto ao tratamento, ao redor de 50 a 60% dos pacientes com dependência de álcool tornam-se abstinentes ou têm melhora substancial após 1 ano de tratamento. A maioria desses tratamentos busca, como meta, a abstinência e poucas abordagens favorecem o comportamento de beber controladamente.
Cerca de 50% dos pacientes dependentes de álcool desenvolvem sintomas clinicamente relevantes de abstinência, os quais geralmente representam um rebote dos efeitos usuais da intoxicação por álcool, tendo início cerca de 8 horas após a redução acentuada da concentração sanguínea de álcool. Esses sintomas podem persistir por meses e geram um quadro de ansiedade, insônia e disfunção autonômica, inclusive de elevações modestas de pressão arterial, pulso e taxa de respiração, assim como transpiração e tremores. Menos que 5% dos dependentes de álcool desenvolvem uma crise durante o período de abstinência ou um estado de confusão grave. Os dias e meses de sobriedade subsequentes aos primeiros dias de abstinência são seguidos por um comportamento de beber controlado e temporário, que carrega, em si, uma probabilidade aumentada para aumentar o uso, assim como um aumento dos problemas a ele associados. Em termos epidemiológicos, menos de 10% dos pacientes com dependência alcoólica desenvolvem longos períodos de uso não problemático.
Durante o tratamento o médico deve identificar os transtornos relacionados ao uso de álcool e dividir suas preocupações com os pacientes, conscientizando-lhes da situação e oferecendo sugestões sobre o que precisa ser feito para que haja uma modificação. Já a reabilitação deve manter a motivação alta e diminuir o risco de recaída. A abordagem cognitivo-comportamental é frequentemente utilizada para esse fim. A reabilitação pode ser oferecida em grupos em que os participantes são encorajados a falar sobre seus problemas relacionados ao uso de álcool, considerar como o álcool contribui para as dificuldades gerais da vida, desenvolver laços de amizades e de apoio com os companheiros de grupo, melhorar os relacionamentos sociais, lidar com o estresse, aproveitar ao máximo o trabalho, o tempo livre e, finalmente, evitar as recaídas. A intenção é fazer com que os pacientes reconheçam a situação de risco da recaída, ensinando-os a evitá-las e como reestabelecer a sobriedade caso retornem ao uso pesado. O programa dos alcoólicos anônimos é um exemplo desse tipo de reabilitação.
Embora o núcleo do tratamento seja motivacional, ou seja, através do emprego de entrevistas motivacionais, intervenções breves e abordagens cognitivo-comportamentais, muitos médicos confiam no uso de medicamentos. Entre eles, tem sido destacado o uso de naltrexona, acomprosato, dissulfiram e topiramato. Porém, seu uso é possibilitado apenas por prescrição médica e as condições médicas e de saúde geral dos pacientes devem ser detalhamente consideradas para que a medicação seja eficientemente adotada.
Na ausência de tratamento formal ou de programas de auto-ajuda, em termos epidemiológicos, apenas cerca de 20% a 30% dos pacientes apresentam remissão, a longo-prazo, dos problemas relacionados ao uso de álcool.