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Reconhecer individualidades contribui para a recuperação

19 Março 2021

Caminhos para a recuperação devem ser múltiplos e considerar diferenças entre as pessoas.

 

O uso nocivo do álcool é responsável por mais de 5% da carga mundial de doenças, estando associado a casos de cirrose hepática, acidentes de trânsito e até mesmo ao desenvolvimento de alguns tipos de câncer. Mas não é só isso: os danos acarretados pelo consumo abusivo dessa substância acabam por afetar também familiares, amigos, colegas de trabalho e até mesmo pessoas desconhecidas, causando impactos em toda a sociedade 1. Nesse sentido, o desenvolvimento de ações e políticas públicas voltadas para reduzir o consumo nocivo de bebidas alcoólicas deve contemplar estratégias para recuperação.

Segundo a SAMHSA, a agência de Administração de Serviços de Saúde Mental e Abuso de Substâncias dos Estados Unidos, a recuperação é um processo de mudança por meio do qual uma pessoa melhora sua saúde e bem-estar, vive uma vida autônoma e se esforça para atingir seu potencial máximo. Tal definição não descreve a recuperação como um estado final, mas sim como um processo. A cessação de todos os sintomas da doença não é um pré-requisito para a recuperação nem um resultado necessário do processo2. Além disso, trata-se de um processo contínuo de mudança, que deve olhar para as características individuais do dependente e, assim, considerar os mais diversos caminhos disponíveis para que ele melhore sua qualidade de vida.

Reconhecer e identificar as diferenças individuais é fundamental para procurar o melhor caminho a seguir nessa jornada. Isso significa que não há receita milagrosa, nem remédio para parar de beber ou clínica de recuperação de álcool que faça mágica para que uma pessoa diminua seu consumo ou conquiste a abstinência e volte a viver uma vida saudável e feliz de forma rápida. Objetivos e programas de tratamento podem variar de pessoa para pessoa, mas tanto os que buscam manter a abstinência quanto os que desejam reduzir danos estão em processo de recuperação.

O caminho a ser seguido também não precisa ser único e exclusivo durante todo o percurso, ou seja, uma pessoa pode começar pautada pela abstinência e, ao longo do caminho, optar pela redução de danos. A recuperação do dependente do álcool deve ser dinâmica e adequada ao momento de cada pessoa. De nada adianta, por exemplo, suspender o consumo de bebidas, mas continuar a viver mal, ou ainda reduzir o consumo, mas continuar prejudicando pessoas ao seu redor. Melhorar o bem-estar é verificar as mudanças físicas que ocorrem no corpo, mas também os benefícios que podem surgir em outras esferas da vida que eram impactadas pelo uso abusivo de álcool, como nas relações sociais, emocionais e econômicas3.

No que diz respeito ao sexo biológico, homens e mulheres sofrem os efeitos do uso nocivo da bebida alcoólica de forma diferente4,5. De acordo com o National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism (NIAAA), elas são mais vulneráveis e mais propensas a desenvolver doenças cardíacas, problemas no fígado e câncer, além de, em casos de gravidez, síndrome alcoólica fetal.

Há outros grupos vulneráveis que sofrem com o estigma, o preconceito e a discriminação, que tornam seu processo em busca da abstinência ou da redução do consumo de bebidas alcoólicas ainda mais difícil. Nesses casos, a ausência de uma rede de apoio e, às vezes, de recursos financeiros fazem com que a busca por um tratamento e sua manutenção sejam deixadas em segundo plano. Para essas pessoas, em especial, os caminhos a serem seguidos devem considerar também fatores psicológicos, ambientais, sociais, além de analisar sua trajetória de recuperação e dificuldades 6.

A crença de que a abstinência é o único caminho para colocar um ponto final ao consumo nocivo do álcool, somada ao estigma sobre os problemas relacionados ao abuso de bebida alcoólica, faz com que o acesso da maioria das pessoas aos diferentes caminhos e métodos de tratamento seja mais complicado. Por isso, ter uma visão mais ampla sobre o que realmente é a recuperação e voltar os olhos para quem tem dependência e sua individualidade pode contribuir muito para que mais pessoas possam melhorar sua saúde.

 Os caminhos para a recuperação são múltiplos e devem ir além da abstinência por si só, considerando fatores que também devem ultrapassar o corpo físico. Nessa trajetória, deve-se levar em conta sentimentos, questões de gênero, relações sociais, políticas, econômicas e culturais e, acima de tudo, a identidade de cada pessoa. Entender sua história de vida é o melhor caminho para identificar o tipo de tratamento ideal e ir em direção a uma verdadeira melhora na qualidade de vida.

Additional Info

  • Referências:
    1. OMS. Global Status Report on Alcohol and Health 2018. Genebra: Organização Mundial da Saúde; 2018.
    2. SAMHSA. Recovery Support Tools and Resources. 2018. Acessado em 18 de março, 2021. Disponível em: https://www.samhsa.gov/brss-tacs/recovery-support-tools-resources
    3. Witkiewitz K, Montes KS, Schwebel FJ, Tucker JA. What is recovery? Alcohol Res Curr Rev. 2019;40(3):1-12.
    4. Walitzer KS, Dearing RL. Gender differences in alcohol and substance use relapse. Clin Psychol Rev. 2006;26(2):128-148.
    5. Holzhauer CG, Cucciare M, Epstein EE. Sex and gender effects in recovery from alcohol use disorder. Alcohol Res Curr Rev. 2020;40(3):1-19.
    6. Wagner EF, Baldwin JA. Recovery in special emphasis populations. Alcohol Res Curr Rev. 2020;40(3):1-8.

     

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