O rastreamento do uso de álcool durante a gravidez é uma estratégia decisiva para proteger a saúde do bebê e da mãe. Apesar de recomendações internacionais claras, estudos mostram que há grande variação entre países tanto na aplicação dos protocolos quanto na capacitação dos profissionais de saúde.
O consumo de álcool na gestação pode provocar uma gama de problemas à criança, agrupados sob o conceito de Transtornos do Espectro Alcoólico Fetal (TEAF). Não existe quantidade segura e qualquer exposição pode aumentar o risco de alterações físicas, cognitivas e comportamentais de grande impacto para toda a vida.
Na Austrália, referência mundial em políticas de rastreio, um estudo com mais de 45 mil gestantes atendidas pelo sistema público entre 2010 e 2021 apontou que 99,3% das gestantes eram questionadas sobre o uso de álcool logo na primeira consulta do pré-natal 1. O rastreamento era feito por profissionais treinados, utilizando ferramentas validadas e acompanhamento sistemático. Dos casos analisados, cerca de 7% das gestantes tinham relato de exposição ao álcool, com 1,3% classificadas em situação de alto risco. Mesmo assim, apenas metade das gestantes consideradas de risco alto eram reavaliadas ao longo do acompanhamento, mostrando que ainda existem pontos a melhorar, inclusive na documentação das informações e na articulação com equipes multidisciplinares.
Um cenário diferente é observado nos Estados Unidos. Segundo estudo nacional, apenas 35% dos profissionais de saúde afirmaram realizar perguntas de rastreamento sobre o uso de álcool durante a gravidez 2. Além disso, 37% dos profissionais entrevistados acreditavam equivocadamente que o consumo em algum momento da gestação poderia ser seguro. Esse dado revela uma lacuna significativa de capacitação e uniformidade das práticas, reforçando que protocolos claros, treinamento constante e uso de instrumentos validados são fundamentais para que o rastreamento cumpra sua função preventiva.
Uma revisão internacional comparou as principais ferramentas de rastreamento utilizadas atualmente para identificar o uso de álcool durante a gestação 3. Questionários como T-ACE, TWEAK, AUDIT-C, 4Ps Plus e a Hoja Verde têm boa validade, sendo aplicáveis de forma rápida e simples. O sucesso do rastreamento, entretanto, depende do contexto: ambientes de acolhimento, a inclusão do parceiro nas consultas e a repetição sistemática das perguntas ao longo da gestação melhoram muito a taxa de detecção de casos de risco. Barreiras como desconhecimento dos profissionais, questões culturais, acesso aos serviços e o próprio consumo do parceiro ainda influenciam os resultados nos diversos países.
Em resumo, experiências internacionais mostram que países que adotam políticas de rastreio universais, integradas ao pré-natal, conseguem identificar mais gestantes em risco, prevenir complicações e promover melhor saúde para a mulher e o bebê. O envolvimento da família, treinamento das equipes, documentação eficaz e campanhas educativas são pilares essenciais para avançar na prevenção dos efeitos do álcool na gestação.
No Brasil, não há nenhuma política ou protocolo oficial de rastreio e intervenção para identificar e tratar casos de uso de álcool na gravidez. Nesse sentido, é fundamental que sejam validados e implementados tais instrumentos na saúde pública, que haja capacitação dos profissionais de saúde para o reconhecimento precoce do problema, divulgação de informações para a população e disponibilização de tratamento especializado para as crianças portadoras da síndrome 4.