Um estudo conduzido em chimpanzés selvagens na Uganda e Costa do Marfim trouxe novas evidências sobre a ingestão natural de etanol por primatas não humanos.1
O trabalho dialoga com a chamada “hipótese do macaco bêbado” (drunken monkey hypothesis), que sugere que a atração dos primatas por frutas fermentadas pode ter favorecido, ao longo da evolução, a tolerância metabólica ao etanol. Essa adaptação indica que houve uma longa história de exposição dietética ao álcool, quando um ancestral comum entre humanos e outros primatas desenvolveu uma variante da enzima ADH4 (álcool desidrogenase 4), responsável por metabolizar o etanol de forma mais eficiente.
As análises laboratoriais das polpas das frutas ingeridas pelos animais demonstraram concentrações de aproximadamente 0,32% de etanol. Esse consumo confirma que a exposição ao etanol através da dieta não é exclusiva dos humanos.
A Dose Diária de Álcool dos Chimpanzés
Os chimpanzés são grandes consumidores de frutas. Estima-se que eles ingiram, em média, cerca de 4,5 quilogramas de fruta por dia. Ao combinar o consumo de fruta com a concentração média de álcool, os pesquisadores calcularam a ingestão diária de etanol pelos chimpanzés, encontrando que um chimpanzé ingere cerca de 14 gramas de etanol puro por dia (variando de 13,6 a 15,0 gramas/dia para machos e fêmeas em ambos os locais). No entanto, o impacto dessa dose deve ser avaliado em relação ao tamanho corporal do animal. Como os chimpanzés são significativamente menores que os humanos, a dosagem diária de etanol ingerida pelos primatas é equivalente a um ser humano de 70 kg consumir cerca de 2,2 a 2,6 doses padrão de álcool por dia.
É importante ressaltar que o artigo aponta limitações que podem influenciar a precisão das estimativas sobre a ingestão de etanol em chimpanzés selvagens. Os pesquisadores utilizaram diferentes técnicas de ensaio em cada estação de campo, o que dificulta a comparação direta dos dados de concentração de etanol, e as estimativas de dosagem diária foram baseadas em dados de massa corporal e dieta de pesquisas anteriores, em vez de observações contínuas e detalhadas dos animais estudados.
Implicações Evolutivas
Essas descobertas reforçam que a ingestão de etanol a partir de fontes naturais acompanha a trajetória evolutiva da espécie humana, muito antes da domesticação de cereais e da produção deliberada de bebidas alcoólicas. Além disso, ajudam a contextualizar a relação duradoura e complexa entre primatas e o consumo de álcool, contribuindo para entender tanto a vulnerabilidade quanto a persistência do uso de substâncias fermentadas em sociedades humanas modernas.
1. Maro, A., Sandel, A. A., Blaiore, B. Z. A., Wittig, R. M., Mitani, J. C., & Dudley, R. (2025). Ethanol ingestion via frugivory in wild chimpanzees. Science advances, 11(38), eadw1665. https://doi.org/10.1126/sciadv.adw1665