Um estudo avaliou o novo inibidor seletivo da MAGL (inibidor da lipase de monoacilglicerol), MCH11, em camundongos, demonstrando que o composto reduz o consumo de etanol e a motivação para beber, além de exibir efeitos ansiolíticos semelhantes a antidepressivos. Os resultados ressaltam um ponto crucial para o desenvolvimento de tratamentos: a eficácia do MCH11 revelou diferenças marcantes dependentes do sexo, indicando que o gênero é uma variável biológica fundamental na resposta terapêutica.Um estudo mostrou que indivíduos criam suas próprias definições de consumo de risco baseadas em experiências pessoais, não em quantidades recomendadas.
O Transtorno do Uso de Álcool (AUD) é uma doença que vitima cerca de 2,6 milhões de pessoas anualmente no mundo e mantém taxas de recaída em torno de 70% no primeiro ano, mesmo com tratamento farmacológico.1,2 Nesse cenário de eficácia limitada das opções atuais de tratamento, o sistema endocanabinoide (ECS) tem sido explorado como alvo para novas intervenções.3
O estudo em foco avaliou em camundongos o MCH11, um novo MAGL (inibidor da lipase de monoacilglicerol), principal enzima responsável pela degradação do endocanabinoide 2-araquidonoilglicerol (2-AG).4 Em relação ao uso de álcool, o MCH11 reduziu tanto o consumo voluntário de etanol quanto a motivação para beber, mas com diferenças marcantes entre machos e fêmeas. Em machos, todas as doses (10, 20 e 40 mg/kg) reduziram de forma dose-dependente o consumo e a preferência por etanol ao longo de 29 dias, com efeito mais rápido na dose de 40 mg/kg. Em fêmeas, as doses iniciais não foram suficientes, e apenas após o aumento para 60 mg/kg (a partir do dia 20) houve redução significativa do consumo, possivelmente em parte pelo maior consumo basal de etanol (8–9 g/kg nas fêmeas versus 5–6 g/kg nos machos).
Do ponto de vista comportamental, o MCH11 apresentou perfil semelhante a antidepressivos em machos. Importante: o tratamento agudo não prejudicou locomoção nem desempenho em tarefas cognitivas, sugerindo ausência de sedação relevante ou comprometimento da cognição.
O trabalho também explorou a combinação de MCH11 com topiramato (MCH11 + TOP), fármaco já utilizado em AUD. Em machos, a terapia combinada reduziu de forma mais robusta o consumo de etanol do que cada droga isoladamente. Em fêmeas, o topiramato isolado e a combinação foram mais eficazes que MCH11 sozinho, com ganho adicional da combinação mais modesto do que nos machos.
No nível molecular, o estudo mostrou que o consumo crônico de etanol induziu alterações dependentes de sexo na expressão de genes relacionados a sistemas dopaminérgico, opioide e endocanabinoide (Th, Oprm1, Cnr1, Cnr2) na área tegmental ventral (VTA) e no núcleo accumbens (NAc). O MCH11 reverteu a maior parte dessas alterações em machos em doses mais baixas, enquanto em fêmeas apenas a dose mais alta (60 mg/kg) foi parcialmente eficaz, sem normalizar completamente genes como Oprm1 e Cnr2. Já a combinação MCH11 + TOP aumentou a expressão do gene Cnr2 no NAc em ambos os sexos, com efeito aproximadamente duas vezes maior em fêmeas, sugerindo esse gene como possível mediador-chave da ação combinada.
Em conjunto, esses achados pré-clínicos apoiam a inibição de MAGL via MCH11 como uma estratégia promissora para reduzir o consumo e motivação para o álcool, com efeitos adicionais sobre o humor e a impulsividade. Ao mesmo tempo, evidenciam que sensibilidade ao tratamento, doses efetivas e mecanismos moleculares diferem significativamente entre machos e fêmeas. O estudo reforça a necessidade de incorporar sistematicamente o sexo como variável biológica fundamental no desenvolvimento de futuras terapias para o alcoolismo, especialmente em abordagens dirigidas ao sistema endocanabinoide.