Muitas pessoas relatam sentir ansiedade após o consumo excessivo de álcool, especialmente na manhã seguinte a uma bebedeira. Esse fenômeno, por vezes apelidado de “hangxiety” (união das palavras hangover/ressaca + anxiety/ansiedade), refere-se à sensação de apreensão, nervosismo e mal-estar que ocorre durante a ressaca alcoólica. De fato, a ressaca apresenta não só sintomas físicos (como dor de cabeça, náusea, cansaço), mas também emocionais e cognitivos negativos.1
A ansiedade e irritabilidade estão entre os sintomas de humor relatados na ressaca, embora sua frequência seja menor comparada a sintomas físicos. Por exemplo, em uma pesquisa com 1.837 jovens adultos, cerca de 22,6% relataram sentir ansiedade durante a ressaca (em comparação, 34,2% relataram humor deprimido).2 Essa “ansiedade da ressaca” pode agravar o desconforto do dia seguinte e interferir nas atividades diárias, sendo importante entender por que ela acontece e como preveni-la.
Diversos mecanismos biológicos ajudam a explicar por que o álcool pode deixar o organismo em estado ansioso. Inicialmente, durante a intoxicação, o álcool atua como depressor do sistema nervoso central (SNC), aumentando a atividade do neurotransmissor inibitório GABA e reduzindo a do excitatório glutamato. O corpo tenta compensar esse efeito: após um período de consumo repetido ou intenso, ele diminui a sensibilidade/quantidade de receptores GABA e aumenta a de receptores de glutamato para contrabalancear a sedação causada pelo álcool.
Assim, quando o álcool deixa a circulação, há um efeito rebote, com pouca sinalização GABAérgica inibitória e excesso de atividade glutamatérgica excitatória, que deixa o cérebro em um estado hiperestimulado. Esse estado de “hiperexcitação” neuroquímica se manifesta de forma similar a uma leve síndrome de abstinência, ativando o sistema de alerta do corpo e levando a sintomas como tremores, sudorese, aumento da frequência cardíaca e ansiedade. Em outras palavras, após o efeito depressor inicial do álcool, o SNC “dispara”, gerando sensações de ansiedade no dia seguinte em resposta ao desequilíbrio entre neurotransmissores inibitórios e excitatórios.
Outro fator-chave envolve o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), responsável pela resposta ao estresse. O consumo elevado de álcool pode ativar o eixo HHA e elevar os níveis de cortisol, hormônio do estresse. Normalmente, o cortisol segue um ritmo diário (mais alto pela manhã e caindo à noite), mas o álcool desregula esse ritmo e esse desajuste pode contribuir para a sensação de ansiedade.
Recentemente, a ciência tem destacado o papel do sistema do fator liberador de corticotropina (CRF), um neuropeptídeo central na resposta ao estresse – na modulação dos efeitos do álcool sobre o humor. Em especial, dois receptores de CRF (conhecidos como CRF1 e CRF2) apresentam funções opostas no contexto do consumo de álcool. De acordo com um estudo em modelo animal de binge drinking, logo após um episódio intenso de bebida os animais apresentaram reações ansiolíticas (redução da ansiedade) e até antidepressivas, mediados pela ativação de receptores CRF2. Entretanto, após 24 horas, os mesmos animais exibiram claros sinais de ansiedade e depressão, desta vez relacionados à ativação de receptores CRF1.3
Felizmente, é possível adotar estratégias para reduzir a chance de sentir ansiedade depois de beber ou ao menos atenuar sua intensidade. Aqui estão algumas dicas práticas:
Sentir-se ansioso no dia seguinte ao consumo de álcool é uma experiência relativamente comum, especialmente após episódios de ingestão exagerada. Embora durante a intoxicação, ocorra um aparente efeito calmante (ansiolítico), este é transitório – e até enganoso – porque será sucedido pelo mal-estar da ressaca quando o álcool se for. A moderação ou a abstinência no consumo de álcool e cuidados simples de saúde (hidratação, descanso) podem fazer toda a diferença na qualidade do dia seguinte e no bem-estar mental de longo prazo.
1. Mackus, M., Loo, A. J. V., Garssen, J., Kraneveld, A. D., Scholey, A., & Verster, J. C. (2020). The Role of Alcohol Metabolism in the Pathology of Alcohol Hangover. Journal of clinical medicine, 9(11), 3421. https://doi.org/10.3390/jcm9113421
2. van Schrojenstein Lantman, M., Mackus, M., van de Loo, A. J. A. E., & Verster, J. C. (2017). The impact of alcohol hangover symptoms on cognitive and physical functioning, and mood. Human psychopharmacology, 32(5), e2623. https://doi.org/10.1002/hup.2623
3. Simon, B., Thury, A. Á., Török, L., Földesi, I., Csabafi, K., & Bagosi, Z. (2023). The effects of alcohol on anxiety-like, depression-like, and social behavior immediately and a day after binge drinking. Alcohol (Fayetteville, N.Y.), 112, 17–24. https://doi.org/10.1016/j.alcohol.2023.05.004