O transtorno afetivo bipolar (TAB) é uma condição de saúde mental caracterizada por oscilações de humor, alternando entre episódios de mania, hipomania e depressão. O consumo de álcool, especialmente em excesso, pode agravar significativamente esse quadro. Estudos mostram que pessoas com transtorno bipolar frequentemente também enfrentam transtorno por uso de álcool (TUA), uma combinação que tende a piorar os sintomas e dificultar o tratamento.
Existe uma forte ligação entre o TAB e os transtornos por uso de álcool. Diversos levantamentos indicam que essa comorbidade é bastante comum.1 Essa sobreposição não é mera coincidência; fatores genéticos e ambientais podem predispor o indivíduo a ambas as condições. Infelizmente, ter bipolaridade e alcoolismo ao mesmo tempo está associado a desfechos clínicos piores do que ter apenas o transtorno bipolar. Por exemplo, pacientes com TAB que também abusam de álcool tendem a apresentar início mais precoce da doença, mais episódios ao longo da vida e maiores taxas de hospitalização. De modo geral, essa combinação de transtornos está ligada a um prognóstico complicado e a maiores prejuízos funcionais.2 Em outras palavras, o álcool costuma intensificar a gravidade do transtorno bipolar, tornando os momentos altos e baixos do humor mais difíceis de controlar.
Estudos de longo prazo com pacientes bipolares mostram que aumentos no consumo de álcool são seguidos por piora dos sintomas depressivos e maníacos nos meses seguintes.2 O consumo excessivo de álcool pode desregular neurotransmissores envolvidos no controle do humor como GABA, glutamato e dopamina, levando a oscilações mais intensas. Além disso, o álcool prejudica a qualidade do sono e o ritmo circadiano – fatores cruciais para a estabilidade do humor. O álcool também causa desidratação e estresse físico, o que pode sobrecarregar o organismo e facilitar mudanças abruptas de humor. Em resumo, o álcool e o transtorno bipolar acabam se alimentando mutuamente: o álcool piora a instabilidade emocional, e a instabilidade pode, por sua vez, levar a comportamentos desregrados que incluem beber mais. Essa interação sustenta um ciclo nocivo de recaídas. Pesquisas confirmam que álcool e bipolaridade, quando presentes juntos, exacerbam um ao outro, resultando em episódios maníacos e depressivos mais intensos e em uma evolução clínica mais complicada.3
Álcool e o Tratamento do Transtorno Afetivo Bipolar
O uso de álcool não afeta apenas os sintomas; ele também prejudica a eficácia do tratamento farmacológico do transtorno bipolar. Os estabilizadores de humor (como lítio, valproato e carbamazepina), antipsicóticos e benzodiazepínicos podem ter sua ação diminuída ou seus efeitos colaterais exacerbados pelo álcool. Por exemplo, o álcool potencializa a sedação causada por muitos medicamentos psiquiátricos, levando a sonolência excessiva, falta de coordenação motora e outros riscos (como acidentes ou quedas). O álcool também sobrecarrega o fígado, órgão responsável por metabolizar vários remédios; com isso, a eliminação dos medicamentos pode ser alterada, aumentando a chance de efeitos tóxicos ou, inversamente, reduzindo a concentração terapêutica dos fármacos no sangue.
Outra questão importante é que o consumo de álcool frequentemente leva à baixa adesão ao tratamento. Pacientes sob efeito do álcool podem esquecer de tomar os medicamentos corretamente ou decidir pular doses para poder beber, o que compromete o controle do transtorno bipolar. Mesmo pequenas quantidades de álcool podem atrapalhar a rotina e o rigor necessários para seguir o esquema medicamentoso. Na prática, a presença do álcool dificulta ao paciente manter a estabilidade alcançada com os estabilizadores de humor e outros fármacos. Estudos de grandes populações com bipolaridade ressaltam que tratar apenas o transtorno de humor e ignorar o TUA deixa lacunas no cuidado, resultando em pior resposta ao tratamento e maiores taxas de recaída.2 Por isso, profissionais de saúde enfatizam abordagens integradas: o ideal é tratar simultaneamente o transtorno bipolar e o uso de álcool, seja através de aconselhamento, psicoterapia ou medicações adjuntas específicas para dependência. Esse manejo integrado aumenta a chance de sucesso, pois lida com todas as frentes do problema.
Em conclusão, o álcool pode ter um impacto profundamente negativo no transtorno afetivo bipolar, agravando sintomas e prejudicando o sucesso do tratamento. Por ser uma substância legal e socialmente aceita, muitas vezes seu risco é subestimado – porém, no contexto do TAB, a recomendação dos especialistas é tratá-lo com extrema cautela. Evitar o álcool, ou buscar ajuda para cessar seu uso, é uma medida essencial para quem convive com a bipolaridade, pois contribui para uma vida mais estável e saudável.
Pozzolo Pedro, M. O., Pozzolo Pedro, M., Martins, S. S., & Castaldelli-Maia, J. M. (2023). Alcohol use disorders in patients with bipolar disorder: a systematic review and meta-analysis. International review of psychiatry (Abingdon, England), 35(5-6), 450–460. https://doi.org/10.1080/09540261.2023.2249548
Sperry, S. H., Stromberg, A. R., Murphy, V. A., Lasagna, C. A., McInnis, M. G., Menkes, M. W., Yocum, A. K., & Tso, I. F. (2024). Longitudinal Interplay Between Alcohol Use, Mood, and Functioning in Bipolar Spectrum Disorders. JAMA network open, 7(6), e2415295. https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2024.15295