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Qual a relação do álcool com a apneia obstrutiva do sono?

By CISA 02 Setembro 2025

A apneia obstrutiva do sono (AOS) é um distúrbio respiratório caracterizado por colapsos repetitivos da via aérea superior durante o sono, levando a pausas respiratórias (apneias) ou reduções de fluxo aéreo (hipopneias). Esses eventos causam queda na oxigenação sanguínea e despertares frequentes, resultando em sono fragmentado e sintomas diurnos como sonolência e fadiga.1

Nas últimas décadas, estudos têm investigado como o álcool, uma substância depressora do sistema nervoso central e relaxante muscular, pode agravar a gravidade da AOS ou aumentar seu risco de ocorrência. Os fatores de risco clássicos para AOS incluem obesidade, sexo masculino, anatomia desfavorável da via aérea e idade avançada. No entanto, há evidências de que hábitos de vida também influenciam na AOS, em especial o consumo de álcool.

Efeitos do álcool na gravidade da AOS

Diversos estudos demonstram que ingerir álcool antes de dormir piora significativamente a AOS já existente. O álcool promove relaxamento exagerado da musculatura da garganta durante o sono, facilitando o colapso da faringe e desencadeando mais eventos obstrutivos.2 Como consequência, indivíduos com AOS apresentam aumento na frequência e duração das apneias/hipopneias após consumo de bebidas alcoólicas, bem como queda mais acentuada da saturação de oxigênio. Uma meta-análise sistemática quantificou esse efeito: em média, a ingestão de álcool elevou o índice de apneia-hipopneia (IAH) em cerca de 4 eventos por hora e reduziu a saturação mínima de O em aproximadamente 2–3% em comparação à noite controle sem álcool.3 Além disso, os autores concluíram que o álcool está associado ao agravamento da AOS, incluindo roncos mais intensos, arquitetura do sono alterada e dessaturações mais profundas. Esses achados indicam que mesmo quantidades moderadas de álcool podem transformar um caso leve de AOS em moderado ou grave temporariamente, aumentando os riscos durante o sono.

No longo prazo, o consumo habitual de álcool também se correlaciona a maior risco de desenvolver AOS. Estudos observacionais de grande porte controlando obesidade e outros fatores encontraram que indivíduos que consomem álcool regularmente têm prevalência mais alta de AOS comparados a abstêmios.3

Mecanismos fisiopatológicos propostos

Vários mecanismos explicam por que o álcool piora a obstrução das vias aéreas durante o sono. Em primeiro lugar, o efeito miorrelaxante do álcool diminui o tônus dos músculos dilatadores da faringe, especialmente do palato mole e da língua, tornando a via aérea mais colapsável sob pressão negativa inspiratória.2 Esse relaxamento excessivo facilita o fechamento da garganta quando o indivíduo está deitado e em sono profundo, contribuindo para o desenvolvimento ou agravamento da AOS . Em segundo lugar, o álcool exerce um efeito depressor no sistema nervoso central4 que impacta os centros respiratórios que controlam a ventilação e a tonicidade da musculatura faríngea. Como resultado, ocorre uma redução dos reflexos de defesa da via aérea: o limiar para despertar por asfixia fica mais elevado e a resposta ventilatória ao aumento de CO/O baixo fica amortecida. Esse efeito central significa que, sob influência do álcool, o indivíduo demora mais para acordar ou aumentar o esforço respiratório durante uma apneia, fazendo com que as pausas respiratórias se prolonguem e a queda de oxigênio seja mais pronunciada.

Além disso, o álcool pode alterar a arquitetura do sono de modo a influenciar a AOS. Inicialmente, doses de álcool tendem a induzir sonolência e facilitar o início do sono. No entanto, tende a aumentar os despertares ao longo da noite. Isso ocorre devido aos seus efeitos agudos: reforça a atividade GABAérgica, que induz o sono, e modula circuitos de saliência/recompensa, como os dopaminérgicos, fragmentando o sono.5

Também vale notar que a relação entre álcool e AOS pode ser bidirecional em certos aspectos. Pacientes com AOS não tratada podem apresentar fadiga e insônia que, em alguns casos, levam ao consumo de álcool como auto-medicação para dormir, um comportamento perigoso. Estudos populacionais recentes inclusive sugerem que indivíduos com AOS têm maior incidência de transtorno por uso de álcool em longo prazo, embora os mecanismos também envolvem fatores psicossociais complexos.6 

Recomendações

As implicações clínicas do consumo de álcool com AOS são diretas: pacientes com AOS devem evitar ou reduzir ao mínimo o consumo de álcool, especialmente nas horas que antecedem o sono. Essa recomendação faz parte das mudanças de estilo de vida no manejo da AOS, junto com perda de peso, atividade física e higiene do sono. De acordo com as evidências disponíveis, abster-se de álcool pode atenuar a gravidade da AOS, alguns pacientes com AOS leve podem notar menos sintomas e eventos respiratórios se não ingerirem álcool à noite. Também vale pontuar que profissionais da saúde devem investigar hábitos de álcool em pacientes com suspeita de AOS: um histórico de consumo significativo pode aumentar a suspeita diagnóstica e apontar a necessidade de aconselhamento específico.


 

Additional Info

  • Referências:

     1. Platon, A. L., Stelea, C. G., Boișteanu, O., Patrascanu, E., Zetu, I. N., Roșu, S. N., Trifan, V., & Palade, D. O. (2023). An Update on Obstructive Sleep Apnea Syndrome-A Literature Review. Medicina (Kaunas, Lithuania), 59(8), 1459. https://doi.org/10.3390/medicina59081459 

    2. Simon, L., Bourgeois, B. L., & Molina, P. E. (2023). Alcohol and Skeletal Muscle in Health and Disease. Alcohol research : current reviews, 43(1), 04. https://doi.org/10.35946/arcr.v43.1.04

    3. Yang, S., Guo, X., Liu, W., Li, Y., & Liu, Y. (2022). Alcohol as an independent risk factor for obstructive sleep apnea. Irish journal of medical science, 191(3), 1325–1330. https://doi.org/10.1007/s11845-021-02671-7

    4. Wolfe, M., Menon, A., Oto, M., Fullerton, N. E., & Leach, J. P. (2023). Alcohol and the central nervous system. Practical neurology, 23(4), 273–285. https://doi.org/10.1136/pn-2023-003817

    5.Koob, G. F., & Colrain, I. M. (2020). Alcohol use disorder and sleep disturbances: a feed-forward allostatic framework. Neuropsychopharmacology : official publication of the American College of Neuropsychopharmacology, 45(1), 141–165. https://doi.org/10.1038/s41386-019-0446-0

    6. Huang YP, Chien WC, Chung CH, Huang YC, Kuo SC, Chen CY, et al. Increased incidence of alcohol use disorder and alcohol-related psychiatric disorders in patients with obstructive sleep apnea: a nationwide population-based cohort study. Sleep Med. (2023) 101:197–204. doi: 10.1016/j.sleep.2022.10.031

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