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Venda de Bebidas Alcoólicas para Menores: Políticas Públicas no Brasil e no Mundo

By CISA 16 Setembro 2025

As políticas públicas no Brasil e em diversos países têm focado na restrição da venda de bebidas alcoólicas para menores de idade, visando proteger crianças e adolescentes dos efeitos nocivos do álcool. A maioria dos países estabelece uma idade mínima legal para compra e consumo de bebidas alcoólicas, geralmente 18 anos na maior parte das nações, com exceção de países como os EUA onde a idade mínima é 21 anos.

Apesar das leis, o acesso de menores às bebidas alcoólicas ainda ocorre com frequência. A última PeNSE (Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar), divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2021, demonstrou que dentre os estudantes que consumiram bebida alcoólica, a maioria consumiu em festa (29,2%), enquanto 26,8% disseram ter comprado no mercado, 17,7% obtiveram com amigos e 11,3% em casa, com alguém da família.1 Esse dado alarmante sugere falhas na fiscalização e tolerância social à venda e oferta de álcool para jovens, reforçando a necessidade de políticas públicas mais eficazes.

Evolução Histórica da Legislação no Brasil

A preocupação legal com a venda de bebidas alcoólicas para menores no Brasil não é recente. Já em meados do século XX existiam normas proibindo essa prática. A Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei 3.688/1941) tipificava como contravenção o ato de fornecer bebidas alcoólicas a menores de 18 anos, prevendo pena de prisão simples de dois meses a um ano, além de multa. Essa foi uma das primeiras ferramentas legais para coibir a oferta de álcool a crianças e adolescentes no país. Anos depois, o Código de Menores (Lei 6.697/1979) manteve diretrizes de proteção à infância, e em 1990 entrou em vigor o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), consolidando uma série de direitos e proteções aos menores de 18 anos.2 O ECA, em seu art. 81, proibiu expressamente a venda ou fornecimento de bebidas alcoólicas a crianças e adolescentes, tornando clara a ilicitude dessa conduta. No entanto, embora a prática fosse vedada, inicialmente o ECA não estabelecia uma sanção penal específica para quem infringisse essa proibição. Na ausência de um crime definido no estatuto, os casos continuavam a ser tratados com base na antiga contravenção penal de 1941, o que resultava em punições relativamente brandas (prisão simples, geralmente convertida em multa ou penas alternativas).

Ao longo das décadas seguintes, diversos projetos de lei buscaram endurecer as penalidades e fechar brechas na legislação. Por exemplo, em 2007 tramitou na Câmara dos Deputados o PL 2658/2007, propondo modificar a Lei de Contravenções para dobrar a pena de quem servisse bebidas alcoólicas a menores, passando o limite máximo de punição de 1 ano para até 2 anos de detenção. O projeto também sugeria enquadrar não apenas a venda, mas qualquer ato de disponibilizar ou permitir o consumo de álcool por adolescentes como ilícito, reconhecendo que não basta punir a venda direta, mas também outras formas de fornecimento. Iniciativas semelhantes surgiram nos anos seguintes, inclusive o PL 6869/2010 (originado no Senado), que visavam tornar mais rigorosa a resposta legal contra quem facilita o acesso de jovens ao álcool. Contudo, por diversos motivos políticos e jurídicos, essas propostas não avançaram de imediato em lei efetiva.

O marco decisivo veio alguns anos depois. Em março de 2015, após crescente pressão da sociedade civil e de órgãos de saúde, foi sancionada a Lei nº 13.106/2015.3 Essa lei alterou o ECA para criminalizar de forma explícita a venda e o fornecimento de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos. A partir de então, quem praticar essa conduta comete crime, sujeito à pena de detenção de 2 a 4 anos, além de multa. A nova legislação também estabeleceu sanções administrativas mais severas: os estabelecimentos que descumprirem a proibição ficam sujeitos a multa entre R$ 3 mil e R$ 10 mil, e podem ser interditados até o pagamento da multa aplicada. Essa mudança elevou significativamente o patamar de punição, antes restrito à contravenção penal de menor potencial ofensivo. Antes da Lei de 2015, vender álcool a menores era tratado apenas como uma contravenção, punida com prisão simples de dois meses a um ano ou multa, uma punição considerada branda e insuficiente para inibir a prática. 

Vale destacar que a nova redação dada pelo artigo 243 do ECA abrange todas as formas de fornecimento de álcool a menores, não apenas a venda comercial. Tornou-se crime vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, bebida alcoólica a criança ou adolescente, ou produto que possa causar dependência física ou psíquica, salvo por justa causa (por exemplo, uso medicinal). Ou seja, mesmo oferecer bebida de graça a um menor, ou entregar-lhe por qualquer meio, configura o delito. Essa ampliação fechou brechas por onde fornecedores poderiam alegar que não “venderam” o produto. 

Após 2015, o Brasil passou a contar com uma das legislações federais mais explícitas contra a venda de álcool a menores. Mesmo assim, o desafio permaneceu: como garantir a efetiva aplicação da lei e reduzir o consumo de álcool entre os jovens? 

Aumento da Penalidades em Discussão (2024-2025)

Nos últimos anos, o Congresso Nacional voltou a discutir ajustes legais para tornar a punição aos fornecedores de álcool a menores ainda mais severa. Em 2023, a Câmara dos Deputados criou um projeto de lei (PL 942/2024) com o objetivo de agravar a pena prevista no ECA para esses crimes.4 O projeto, de autoria da deputada Laura Carneiro, foi aprovado pela Câmara dos Deputados e aguarda votação do Senado. A principal inovação proposta é adicionar uma causa de aumento de pena: se a criança ou adolescente efetivamente consumir a bebida alcoólica ou substância entregue, a pena de detenção (hoje de 2 a 4 anos) poderá ser aumentada em dobro. Em outras palavras, casos em que o menor chega de fato a ingerir o álcool receberiam um tratamento mais gravoso do que situações em que houve apenas a oferta sem consumo. A alteração na lei seria, portanto, uma resposta concreta à preocupação social com o aumento do consumo precoce de álcool e drogas entre adolescentes.

Consequências do Consumo na Juventude e Importância da Fiscalização

Adolescentes e crianças são mais vulneráveis aos efeitos do álcool, tanto fisiológicos quanto psicossociais. O consumo nessa fase pode prejudicar o desenvolvimento neurológico, além de estar associado a comportamentos de risco.5 Estudos indicam que quanto mais cedo ocorre a iniciação alcoólica, maior a probabilidade de surgirem problemas relacionados ao álcool mais tarde na vida, incluindo episódios de binge drinking (beber em grande quantidade em curtos períodos), desenvolvimento de dependência e outros transtornos do uso do álcool. Um adolescente que começa a beber muito cedo tem chances significativamente maiores de, na idade adulta, enfrentar dificuldades com abuso de álcool, mesmo quando controlados outros fatores de risco psicossociais.

Além dos riscos de longo prazo, o consumo de álcool por menores traz consequências imediatas graves. Há o impacto direto na saúde (intoxicações, lesões, comprometimento do fígado e outros órgãos em desenvolvimento) e um forte vínculo com acidentes e violências. Portanto, as políticas públicas que buscam retardar ou impedir o acesso de menores ao álcool são também políticas de segurança pública e de saúde preventiva.

Uma análise publicada em 20255 constatou que estratégias multidimensionais, combinando limitação da disponibilidade (por exemplo, restringindo pontos e horários de venda), forte aplicação das leis de idade mínima e campanhas de conscientização, levaram a reduções nas taxas de consumo de álcool por menores.5 Portanto, não basta ter leis no papel: é preciso que haja vigilância ativa para que comerciantes e adultos em geral cumpram as proibições.

Há exemplos concretos que demonstram o impacto positivo da fiscalização intensiva. Nos Estados Unidos, algumas comunidades implementaram programas de compliance (verificação) frequentes em lojas de conveniência, bares e mercados. Numa experiência realizada no estado de New Hampshire,6 o reforço das inspeções e operações infiltradas resultou em uma redução de 64% nas vendas de álcool para menores pelos estabelecimentos locais. Esse esforço contínuo de cumprimento da lei não apenas diminuiu a venda direta, como também foi acompanhado por queda no consumo de álcool e nas taxas de binge drinking entre estudantes do ensino médio da região. Ou seja, reduzir a disponibilidade no varejo refletiu-se em menos jovens bebendo e se embriagando. Esse caso evidencia como a combinação de lei rigorosa + fiscalização efetiva pode alterar comportamentos e proteger os jovens de maneira palpável.

Desde as primeiras proibições legais no século passado até as iniciativas atuais de endurecimento de penas, fica claro que o Brasil vem fortalecendo suas políticas públicas para proteger os jovens dos malefícios do álcool. Assim, as mudanças em curso, como o aumento de pena em caso de consumo pelo menor, representam não apenas um ajuste técnico na lei, mas um aprofundamento do compromisso do Estado brasileiro em proteger suas crianças e adolescentes.

Entretanto, é fundamental reconhecer que a existência de leis mais duras, por si só, não garante a transformação da realidade. A efetividade dessas políticas dependerá de sua implementação prática. A sociedade, por sua vez, também precisa apoiar essas medidas e entender que impedir a venda de bebidas a menores não é “exagero”, mas sim uma ação embasada no interesse da saúde pública e no bem-estar das futuras gerações.



 

 

Additional Info

  • Referências:
    1. BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar: 2019. Rio de Janeiro: IBGE, 2021. 162 p. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/justica-e-seguranca/9134-pesquisa-nacional-de-saude-do-escolar.html
    2. Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 16 jul 1990. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2021/julho/trinta-e-um-anos-do-estatuto-da-crianca-e-do-adolescente-confira-as-novas-acoes-para-fortalecer-o-eca/ECA2021_Digital.pdf
    3. Brasil. Lei nº 13.106, de 17 de março de 2015. Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Diário Oficial da União, Brasília (DF), 17 mar 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13106.htm.
    4. Brasil. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 942/2024, de 22 de março de 2024. Cria causa de aumento de pena para o crime de vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar bebida alcoólica a criança ou adolescente, quando houver consumo. Brasília (DF): Câmara dos Deputados; 2024. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2399334&filename=Tramitacao-PL%20942/2024.
    5. Esposito, S., Campana, B. R., Argentiero, A., Masetti, M., Fainardi, V., & Principi, N. (2025). Too young to pour: the global crisis of underage alcohol use. Frontiers in public health, 13, 1598175. https://doi.org/10.3389/fpubh.2025.1598175
    6. Centers for Disease Control and Prevention (CDC) (2004). Enhanced enforcement of laws to prevent alcohol sales to underage persons--New Hampshire, 1999-2004. MMWR. Morbidity and mortality weekly report, 53(21), 452–454.

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