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Novas considerações sobre o tratamento do transtorno por uso de álcool: problemas e soluções

09 Dezembro 2024

Estudo recente1 aponta que o transtorno por uso de álcool permanece subdiagnosticado, apesar de terapias e medicamentos eficazes; enfrentar o estigma, melhorar a triagem e investir em novas abordagens para ampliar o acesso aos tratamentos são pontos destacados.

Os transtornos associados ao uso de álcool (TAU) são um problema de saúde pública de grande escala, afetando mais de 29 milhões de pessoas nos Estados Unidos e resultando em mais de 140.000 mortes anuais. O quadro mais grave dentro destes transtornos é o alcoolismo. Ele é descrito por um modelo heurístico que abrange três estágios interligados: consumo pesado/intoxicação, abstinência/afeto negativo e preocupação/antecipação; este modelo proporciona uma estrutura para compreender a complexidade do transtorno e suas diversas manifestações em relação ao tratamento. 

Definido como um transtorno crônico e recorrente, o alcoolismo é caracterizado pelo consumo compulsivo, perda de controle e estados emocionais negativos na ausência de álcool. Os TAU possuem são classificados em leve, moderado ou grave. Já no campo neurobiológico, o TAU envolve três domínios principais: saliência de incentivo*/hábitos patológicos, estados emocionais negativos e função executiva, que estão associados à ativação de circuitos cerebrais como os gânglios da base, amígdala estendida e córtex pré-frontal. O artigo também destaca que o consumo excessivo de álcool desregula o sistema de recompensa cerebral e altera os sistemas de estresse, reforçando o ciclo de dependência.

Apesar da existência de tratamentos eficazes, como intervenções comportamentais e medicamentos aprovados, esses recursos continuam sendo amplamente subutilizados, o que evidencia a necessidade de ações para preencher as lacunas existentes, incluindo a ampliação dos critérios para aprovação de medicamentos, maior uso de triagem e intervenções breves, combate ao estigma, definição clara e culturalmente sensíveis do critério de “recuperação” e a promoção de educação tanto pública quanto profissional.

Os tratamentos baseados em evidências incluem uma ampla gama de terapias comportamentais, como a terapia cognitivo-comportamental, a terapia motivacional, abordagens baseadas em aceitação/mindfulness e a abordagem de 12 passos, utilizada por grupos de ajuda mútua como os Alcoólicos Anônimos. A combinação de terapias e medicamentos aumenta a eficácia dos tratamentos, ajudando a modificar atitudes e comportamentos relacionados ao álcool. 

Entre os medicamentos aprovados pela FDA, destacam-se o dissulfiram, a naltrexona e o acamprosato, que atuam de diferentes formas para reduzir o consumo e promover a abstinência. Enquanto o dissulfiram provoca reações adversas graves ao consumo de álcool, buscando causar sensações desprazerosas no momento do consumo, mas também dificultando a adesão ao tratamento, a naltrexona bloqueia os efeitos recompensadores da substância; ambas têm eficácia comprovada na redução do consumo excessivo. O acamprosato, por sua vez, auxilia na manutenção da abstinência, ajudando a eliminar sintomas graves da síndrome de abstinência. Além desses, medicamentos reposicionados (chamados de “off-label”) como o topiramato e a gabapentina também mostram eficácia, reduzindo o consumo excessivo e auxiliando na iniciação e manutenção do sono.

Apesar da eficácia comprovada dos tratamentos, menos de 8% dos adultos com TAU recebem algum tipo de intervenção, e menos de 2% têm acesso a medicamentos aprovados. Barreiras significativas, como falta de políticas públicas, triagem inadequada e estigma, dificultam ainda mais o acesso. Embora o modelo SBIRT (Triagem, Intervenção Breve e Encaminhamento para Tratamento) seja eficaz para detecção precoce, ele permanece subutilizado e ainda muito pouco presente na prática dos profissionais de saúde, sejam nos sistemas públicos ou privados. Além disso, a falta de instalações adequadas, a demora na aprovação de novos medicamentos e o investimento insuficiente da indústria farmacêutica no desenvolvimento de tratamentos para dependência, em comparação com outras áreas, representam desafios adicionais.

O estigma associado ao TAU é particularmente prejudicial, pois pessoas com esse transtorno frequentemente enfrentam julgamentos que as responsabilizam por sua condição, o que impacta negativamente na busca por ajuda. Isso contribui para que menos de 1 em cada 10 indivíduos com TAU receba tratamento anualmente, enquanto cerca de 20% evitam buscar ajuda devido ao medo de serem estigmatizados. O estigma também afeta pacientes que precisam de transplantes de fígado e pode restringir a participação em ensaios clínicos devido a preconceitos.

O artigo destaca que, para enfrentar esses desafios, é essencial desenvolver uma variedade de tratamentos que reconheçam as respostas individuais às diferentes abordagens, sejam elas terapias comportamentais ou medicamentosas. A definição de recuperação tem sido aprimorada para incluir não apenas a remissão do TAU, mas também a cessação do consumo excessivo de álcool e o bem-estar biopsicossocial. Diagnósticos precoces e intervenções em estágios iniciais do TAU podem prevenir sua progressão para formas mais graves, enquanto recursos educacionais, como o Healthcare Professional’s Core Resource on Alcohol e plataformas como Rethinking Drinking, oferecem ferramentas para aumentar a conscientização entre profissionais de saúde e o público em geral.

Por fim, o modelo de três estágios do TAU destaca os alvos de intervenção em cada etapa, com avaliações que abrangem a função executiva, a saliência de incentivo e a emocionalidade negativa, permitindo uma maior personalização dos tratamentos, e a pesquisa para identificar novos alvos para medicamentos e superar os desafios da indústria farmacêutica é crucial para impulsionar o desenvolvimento de novas opções de tratamento. Essa abordagem propõe uma compreensão neurocientífica mais abrangente, visando oferecer tratamentos individualizados e eficazes.

 

Additional Info

  • Referências:

    1. Divya Ayyala-Somayajula, Jennifer L. Dodge, Adam M. Leventhal, et al. Trends in Alcohol Use After the COVID-19 Pandemic: A National Cross-Sectional Study. Ann Intern Med. [Epub 12 November 2024]. doi:10.7326/ANNALS-24-02157

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