Os transtornos associados ao uso de álcool (TAU) são um problema de saúde pública de grande escala, afetando mais de 29 milhões de pessoas nos Estados Unidos e resultando em mais de 140.000 mortes anuais. O quadro mais grave dentro destes transtornos é o alcoolismo. Ele é descrito por um modelo heurístico que abrange três estágios interligados: consumo pesado/intoxicação, abstinência/afeto negativo e preocupação/antecipação; este modelo proporciona uma estrutura para compreender a complexidade do transtorno e suas diversas manifestações em relação ao tratamento.
Definido como um transtorno crônico e recorrente, o alcoolismo é caracterizado pelo consumo compulsivo, perda de controle e estados emocionais negativos na ausência de álcool. Os TAU possuem são classificados em leve, moderado ou grave. Já no campo neurobiológico, o TAU envolve três domínios principais: saliência de incentivo*/hábitos patológicos, estados emocionais negativos e função executiva, que estão associados à ativação de circuitos cerebrais como os gânglios da base, amígdala estendida e córtex pré-frontal. O artigo também destaca que o consumo excessivo de álcool desregula o sistema de recompensa cerebral e altera os sistemas de estresse, reforçando o ciclo de dependência.
Apesar da existência de tratamentos eficazes, como intervenções comportamentais e medicamentos aprovados, esses recursos continuam sendo amplamente subutilizados, o que evidencia a necessidade de ações para preencher as lacunas existentes, incluindo a ampliação dos critérios para aprovação de medicamentos, maior uso de triagem e intervenções breves, combate ao estigma, definição clara e culturalmente sensíveis do critério de “recuperação” e a promoção de educação tanto pública quanto profissional.
Os tratamentos baseados em evidências incluem uma ampla gama de terapias comportamentais, como a terapia cognitivo-comportamental, a terapia motivacional, abordagens baseadas em aceitação/mindfulness e a abordagem de 12 passos, utilizada por grupos de ajuda mútua como os Alcoólicos Anônimos. A combinação de terapias e medicamentos aumenta a eficácia dos tratamentos, ajudando a modificar atitudes e comportamentos relacionados ao álcool.
Entre os medicamentos aprovados pela FDA, destacam-se o dissulfiram, a naltrexona e o acamprosato, que atuam de diferentes formas para reduzir o consumo e promover a abstinência. Enquanto o dissulfiram provoca reações adversas graves ao consumo de álcool, buscando causar sensações desprazerosas no momento do consumo, mas também dificultando a adesão ao tratamento, a naltrexona bloqueia os efeitos recompensadores da substância; ambas têm eficácia comprovada na redução do consumo excessivo. O acamprosato, por sua vez, auxilia na manutenção da abstinência, ajudando a eliminar sintomas graves da síndrome de abstinência. Além desses, medicamentos reposicionados (chamados de “off-label”) como o topiramato e a gabapentina também mostram eficácia, reduzindo o consumo excessivo e auxiliando na iniciação e manutenção do sono.
Apesar da eficácia comprovada dos tratamentos, menos de 8% dos adultos com TAU recebem algum tipo de intervenção, e menos de 2% têm acesso a medicamentos aprovados. Barreiras significativas, como falta de políticas públicas, triagem inadequada e estigma, dificultam ainda mais o acesso. Embora o modelo SBIRT (Triagem, Intervenção Breve e Encaminhamento para Tratamento) seja eficaz para detecção precoce, ele permanece subutilizado e ainda muito pouco presente na prática dos profissionais de saúde, sejam nos sistemas públicos ou privados. Além disso, a falta de instalações adequadas, a demora na aprovação de novos medicamentos e o investimento insuficiente da indústria farmacêutica no desenvolvimento de tratamentos para dependência, em comparação com outras áreas, representam desafios adicionais.
O estigma associado ao TAU é particularmente prejudicial, pois pessoas com esse transtorno frequentemente enfrentam julgamentos que as responsabilizam por sua condição, o que impacta negativamente na busca por ajuda. Isso contribui para que menos de 1 em cada 10 indivíduos com TAU receba tratamento anualmente, enquanto cerca de 20% evitam buscar ajuda devido ao medo de serem estigmatizados. O estigma também afeta pacientes que precisam de transplantes de fígado e pode restringir a participação em ensaios clínicos devido a preconceitos.
O artigo destaca que, para enfrentar esses desafios, é essencial desenvolver uma variedade de tratamentos que reconheçam as respostas individuais às diferentes abordagens, sejam elas terapias comportamentais ou medicamentosas. A definição de recuperação tem sido aprimorada para incluir não apenas a remissão do TAU, mas também a cessação do consumo excessivo de álcool e o bem-estar biopsicossocial. Diagnósticos precoces e intervenções em estágios iniciais do TAU podem prevenir sua progressão para formas mais graves, enquanto recursos educacionais, como o Healthcare Professional’s Core Resource on Alcohol e plataformas como Rethinking Drinking, oferecem ferramentas para aumentar a conscientização entre profissionais de saúde e o público em geral.
Por fim, o modelo de três estágios do TAU destaca os alvos de intervenção em cada etapa, com avaliações que abrangem a função executiva, a saliência de incentivo e a emocionalidade negativa, permitindo uma maior personalização dos tratamentos, e a pesquisa para identificar novos alvos para medicamentos e superar os desafios da indústria farmacêutica é crucial para impulsionar o desenvolvimento de novas opções de tratamento. Essa abordagem propõe uma compreensão neurocientífica mais abrangente, visando oferecer tratamentos individualizados e eficazes.