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Mulheres na Ciência - Entrevista com a Dra. Júlia Maria D’Andréa Greve

11 Fevereiro 2022

 

Dra. Júlia Maria D’Andréa Greve fala sobre sua pesquisa com álcool e acidentes trânsito e os desafios que enfrentou como mulher cientista

 

No dia 11 de fevereiro é celebrado o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência e em comemoração à data, instituída em 2015 pela Assembleia das Nações Unidas, o CISA lança uma série de quatro entrevistas com pesquisadoras que se destacaram em suas áreas e que no decorrer de sua trajetória na ciência estudaram os impactos do uso de álcool.

 

Uma das entrevistadas é a presidente do Conselho Científico do CISA, Dra. Júlia Maria D’Andréa Greve, especialista em Medicina Física e Reabilitação. Livre docente pelo Departamento de Ortopedia e Traumatologia da FMUSP, participa de projetos de pesquisa na área de epidemiologia e prevenção de acidentes de trânsito ligado ao uso de bebidas alcoólicas e coordena o Laboratório de Estudos do Movimento do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. É uma das autoras do estudo recente “Uso de álcool e drogas ilícitas por pacientes traumatizados em São Paulo, Brasil”. Confira a entrevista:

  

1) Quando iniciou na área de pesquisa e qual foi sua motivação?

Sempre tive vontade, dentro da minha especialidade médica, de fazer pesquisas e responder algumas perguntas que surgem durante a prática clínica. Essa "vontade" se acentuou quando fui contratada como médica assistente da Divisão de Medicina Física e Reabilitação do Instituto de Ortopedia e Traumatologia HCFMUSP.  Isso foi em 1981, quando entrei no Grupo de Traumatismo Raquimedular. 

 

2) Alguma cientista a inspirou? Se sim, qual?

Acho que, de uma forma geral, algumas professoras da faculdade, destaco a Professora Angelita Gama.  Mas meus mentores mais diretos foram todos do sexo masculino, por falta de mulheres atuantes na área.  Porém, sempre tive fascínio pelas histórias das mulheres cientistas do começo do século XX (como Marie Curie) e suas dificuldades. Felizmente, nestes 40 anos muita coisa mudou e muitas mulheres são protagonistas nas suas áreas de atuação. E vejo no meu dia a dia, pois a cada dia temos mais mulheres dentro da pesquisa e das universidades. 

 

3) Na sua avaliação, qual a importância do Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, celebrado em 11/02?

Tem uma importância para chamar a atenção para a capacidade das mulheres como cientistas, assim como combater a discriminação sexista que ainda persiste. Destaca que a discriminação das mulheres em qualquer área é o maior desperdício de recursos que a humanidade pode fazer. 

 

4) Como a pesquisa na área de epidemiologia e prevenção de acidentes de trânsito ligado ao uso de bebidas alcoólicas entrou em sua vida? Poderia destacar alguns projetos que participou nesta área?

Sou fisiatra e trabalho com pacientes que sofreram traumatismos graves que cursam com sequelas incapacitantes, e os acidentes de trânsito são uma das causas mais frequentes. Sempre pensei que o melhor tratamento é a prevenção e dentro deste pensamento iniciei algumas atividades que ajudassem a diminuir as sequelas. Inicialmente, com prevenção do traumatismo raquimedular, mas logo em seguida me liguei ao "Programa Pare” do Governo Federal, em 1994. Iniciamos algumas atividades em São Paulo, dentre as quais logo se destacou a importância das bebidas alcoólicas na etiologia dos acidentes.  Uma das primeiras atividades em caráter nacional foi a avaliação dos caminhoneiros nas rodovias com exame toxicológico da urina, onde se percebeu o uso de substâncias psicoativas (anfetaminas e fenproprorex) em quase 10% dos caminhoneiros participantes do estudo (aproximadamente 700 motoristas). Também nesta mesma época, nos unimos ao Laboratório de Toxicologia do Instituto Médico legal (IML) de São Paulo.  Começamos, então, a avaliar a qualidade dos etilômetros disponíveis no mercado. Também neste período, iniciou-se a coleta sistematizada da alcoolemia dos óbitos por causas externas, autopsiados no IML-SP. Esta coleta, feita desde 1997, mostrou a relação direta do uso abusivo de álcool e as mortes por acidentes e outras causas externas (quedas de altura, violência interpessoal e suicídio).  Em 2002, participei de um estudo sobre os custos dos acidentes de trânsito realizado pelo IPEA e levantamos dados epidemiológicos sobre os acidentes atendidos no PS Central do HCFMUSP. Depois, deste primeiro trabalho, outros vieram e destaco os estudos com acidentes com motocicletas que se tornou o mais prevalente dentre as ocorrências de trânsito. Recentemente, concluímos um estudo com os pacientes internados por causas externas. O trânsito é o principal fator, com destaque para os motociclistas, e o uso de substâncias psicoativas está presente em 31% dos casos, mostrando que ainda há muito a ser feito para melhorar esta situação.

 

5)  Enfrentou algum desafio na sua trajetória como pesquisadora por ser mulher? Se sim, poderia contar algum fato marcante?

As dificuldades para realizar pesquisas existiram e dentro do meu departamento fui impedida de me inscrever no programa de pós-graduação por dois motivos: ser mulher e ser fisiatra e isso me levou a buscar outros lugares para poder me desenvolver. 

Foram muitos obstáculos e acho que a própria universidade naquele momento, restringia a entrada de novos pesquisadores e as barreiras eram grandes. Havia necessidade de muita perseverança e resiliência para acessar e se manter dentro dos programas.  Acredito que a evolução foi enorme e hoje os orientadores podem avaliar e incluir nossos pesquisadores, mostrando que fazer pesquisa é uma atividade árdua que demanda tempo, paciência e muita força de vontade, pois os obstáculos aparecem e precisam ser vencidos.  No entanto, conseguir realizar um bom trabalho, publicá-lo em uma boa revista científica e ver este trabalho ser citado pelos seus pares, nos dá a certeza que estamos contribuindo para a melhora das nossas condições de vida. 

 

 

Confira também as outras entrevistas da série Mulheres na Ciência:

Conselheira Científico do CISA, a especialista em pediatria neonatal, Dra. Conceição Aparecida de Mattos Segre

 

 

 

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