Confira entrevista com o Dr. Martino Martinelli Filho A publicação "Álcool e a Saúde dos Brasileiros - Panorama 2021" traz, além dos dados mais recentes sobre o impacto do uso de álcool na saúde da população do Brasil, uma seção sobre coração e álcool. Para obter mais informações, tiramos algumas dúvidas com o cardiologista Martino Martinelli Filho acerca da saúde do coração e como ela é impactada pelo consumo de álcool. Como o consumo de álcool afeta o coração? Vários estudos (experimentais ou em humanos) demonstraram que consumo de álcool (ou etanol) em quantidades excessivas provoca, por ação direta, enfraquecimento do músculo cardíaco, levando a uma doença grave denominada cardiomiopatia alcoólica (CMA). Esta cursa com insuficiência cardíaca (falta de ar, fraqueza, cansaço e inchaço no corpo) alem de arritmias cardíacas (palpitações, tonturas desmaios) que juntas são responsáveis por taxa de cerca de 10% de mortalidade anual. Além disso, indiretamente, o álcool pode atuar como fator de risco adicional para Infarto Agudo do Miocárdio e Hipertensão Arterial (ao lado de diabetes, colesterol elevado e outros). É preciso reforçar que esses comprometimentos estão associados ao tipo de consumo de álcool: 1-consumo moderado, correspondente a 2 doses diárias para homens e 1 dose para mulheres é considerado saudável, protetor ou não-nocivo para o coração; 2-consumo pesado, correspondente à ingestão diária superior ao moderado ou do tipo binge (Beber Pesado Episódico), correspondente a 4 doses ou mais ingeridas na mesma ocasião, considerado nocivo. Lembrando que cada dose tem 14g de etanol, correspondente a 350 mL de cerveja, 150 mL de vinho ou 45 mL de destilados Quem tem problema no coração pode consumir bebida alcoólica? Não existem publicações a esse respeito incluindo somente cardiopatas. Nós estamos realizando um estudo em larga escala (4.000 pacientes), comparando cardiopatas com não-cardiopatas, no Instituto do Coração (HCFMUSP). Estamos avaliando perfil psicossocial, desempenho físico, evolução antropométrica, comorbidades e arritmias cardíacas, relacionadas à quantidade e tipo de medida. Com isso, vamos responder esse questionamento de modo mais robusto. Já identificamos, num sub-estudo recentemente concluído, que, para cardiopatas, o consumo correspondente à metade do consumo moderado preconizado para a população geral, reduz significativamente o risco da arritmia cardíaca fibrilação atrial (causadora de derrames e embolia arterial periférica). De acordo com as análises do CISA a partir de dados do Datasus, no Brasil, doença cardíaca hipertensiva e doença cardíaca isquêmica são, conjuntamente, responsáveis por mais de 10% dos óbitos atribuíveis ao álcool em 2018. A que podemos atribuir esses números e o que deve ser feito em termos de prevenção para reduzi-los? É preciso entender que esses achados vieram de associações de variáveis obtidas de estudos realizados na população geral; não há relação de causalidade e existem vários fatores confundidores. Para os pacientes com acometimentos graves (cardiomiopatia alcoólica), a abstenção total de álcool é o objetivo preferido, embora alguns estudos demonstrem que consumo moderado ainda permite melhorias; consumo binge deve ser absolutamente desencorajado. Uma vez que o consumo de etanol da população global não está sob controle, a incidência desses acometimentos tende a ser mantida ou elevada nos próximos anos. Por isso, deve-se redobrar os esforços para detecção precoce e tratamento específico de fatores de risco de doenças cardíacas. A prevenção tem que ser focada em sério trabalho de conscientização sobre consumo de álcool, sobretudo em grupos populacionais de adolescentes e jovens.