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Beber e jogar são atividades que geralmente estão conectadas, que também apresentam ligações em regiões cerebrais que podem levar a comportamentos de risco e consequências sérias para a saúde mental.

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Um novo estudo revela que o consumo de álcool no Brasil gera até R$18,8 bilhões em custos anuais, destacando a urgência de políticas preventivas. Clique e saiba mais.

Estudo finlandês mostra como o uso abusivo permanece alto no país a despeito da queda média do uso e os desafios para transformar uma cultura de consumo de álcool.

 

É sabido que alguns padrões de consumo de álcool se mostram mais nocivos que outros. O consumo abusivo, ou BPE, caracterizado por ser um padrão mais voltado à intoxicação, está associado a mais de 200 tipos de doenças, ao passo que o consumo moderado, principalmente junto às refeições, apresenta risco significativamente mais baixo de problemas. Alguns países, como os de cultura mediterrânea, se caracterizam pela grande prevalência de consumo diário de álcool (o que reflete em uma alta prevalência de consumo per capita, que é uma média do consumo total das pessoas com 15 anos ou mais), principalmente para acompanhar refeições (por exemplo, Espanha, Itália, Portugal), mas por níveis relativamente baixos de beber pesado episódico1. Isso significa que, nestes países, bebe-se com frequência, mas pouco por vez, o que é considerado menos nocivo. Já outros países, como a Romênia, apresentam uma baixa frequência de consumo, porém, uma alta prevalência de uso abusivo1. Como os padrões de uso estão intrinsecamente ligados à cultura de um país, é importante observar atentamente os hábitos de consumo da população.

As mudanças no consumo de álcool de uma sociedade podem ter várias causas, decorrentes de mudanças sociais, culturais e econômicas mais amplas ou de mudanças normativas ou políticas específicas relacionadas ao álcool. As mudanças podem se materializar em novos grupos de bebedores, novas situações de consumo ou padrões de consumo alterados. Esses aspectos precisam ser examinados para se entender a dinâmica das mudanças no consumo de álcool e as implicações que podem ter para o futuro.

Um estudo2 examinou as mudanças no consumo de álcool na Finlândia entre 2000 e 2016, analisando as alterações por grupo etário, gênero e nível de consumo. O objetivo foi entender como o consumo de álcool se distribui na população e como, ao longo do tempo, os padrões de consumo vão se modificando. Especialmente, entender se as mudanças no nível geral de consumo (consumo per capita) alteram sua distribuição, ou seja, se o consumo leve, moderado e pesado muda igualmente, ou se a forma da distribuição do consumo de álcool permanece inalterada. Além disso, o estudo também pretendeu investigar se havia evidência de uma mudança para um estilo de consumo mais mediterrâneo quando o consumo per capita diminuiu no país, ou seja, se o consumo estaria sendo feito de forma mais distribuída, em mais ocasiões com menos quantidade de álcool por ocasião. A principal fonte de dados são as pesquisas Finnish Drinking Habits Survey (FDHS) realizadas em 2000, 2008 e 2016. Os participantes constituíram uma amostra aleatória de residentes finlandeses com idade entre 15 e 69 anos.

Os resultados mostraram que o aumento do consumo per capita no início dos anos 2000 foi impulsionado por um aumento na frequência de consumo entre idosos e no aumento de episódios de consumo excessivo (BPE) entre as mulheres. Neste período, a população mais velha se aproximou da mais jovem, tanto na frequência de consumo quanto nos níveis de BPE.

Após 2008, houve uma redução do consumo per capita, acompanhada por uma diminuição na frequência de consumo regular e de BPE, especialmente entre homens e jovens. Essa mudança nos padrões foi acompanhada de redução nas taxas de mortalidade, sendo que mortes por ferimentos com intoxicação alcoólica como causa contributiva diminuíram de quase 1000 mortes em 2006 para cerca de 550 em 2015 (de acordo com Statistics Finland). Outros fatores podem estar em jogo; por exemplo, a melhoria do tratamento do alcoolismo ou estradas mais seguras, mas, segundo os autores do estudo, a redução do BPE muito provavelmente contribuiu para este resultado positivo.

Muitos atores políticos têm o desejo de mudar a cultura do consumo de álcool, para reduzir os problemas da intoxicação, e criar uma “cultura da temperança” ou da “moderação”. No caso da Finlândia, não há evidências de que a redução do BPE ocorreu por conta dessa mudança de estilo de consumo. O presente estudo mostrou, outrossim, que as quantidades máximas consumidas num dia por homens finlandeses são ainda muito elevadas, e o uso abusivo continua a ser um problema a ser enfrentado. Além disso, mesmo que a maior diminuição do BPE tenha sido observada justamente entre homens jovens, os resultados mostraram que este padrão continua a ser mais prevalente neste grupo. Desse modo, ainda que a diminuição do consumo tenha gerado bons resultados do ponto de vista da saúde pública, os autores concluem que resta muito a ser feito, e que políticas públicas são necessárias para combater o consumo excessivo de álcool na Finlândia.

O Brasil também observou uma redução do consumo per capita de álcool na última década, mas, ao contrário da Finlândia, não houve diminuição conjunta do uso abusivo, tampouco evidências sólidas de mudanças nos padrões de consumo da população rumo a um estilo mais ponderado. Isto nos faz refletir sobre a importância e os desafios de se promover uma cultura de consumo menos nociva, que colabore para a diminuição do abuso, bem como sobre a necessidade de políticas públicas específicas para este problema.  



 

 

As férias de verão são um momento de descontração, mas também exige atenção redobrada com a saúde. O CISA – Centro de Informações sobre Saúde e Álcool destaca a importância de práticas que favoreçam o bem-estar e evitam exageros que possam comprometer a saúde e o aproveitamento desse período especial.

Apesar da ampla disponibilidade de tratamentos baseados em evidências para transtornos mentais e por uso de substâncias, a maioria das pessoas afetadas ainda não recebe cuidados adequados. O cenário é crítico no caso do transtorno por uso de álcool (AUD), condição altamente prevalente, mas marcada por baixa procura por tratamento, cuidados de baixa qualidade e muito preconceito.

 

Baixa Cobertura de Tratamento Efetivo para a dependência de álcool

Dados recentes do World Mental Health Survey, publicados na revista JAMA Psychiatry, revelam que apenas 1,4% das pessoas com transtorno por uso de álcool receberam tratamento efetivo de acordo com diretrizes clínicas.1 O estudo analisou informações de mais de 56 mil adultos em 21 países, usando amostras populacionais representativas e entrevistas domiciliares padronizadas, com base no instrumento Composite International Diagnostic Interview (CIDI). A metodologia considerou três níveis de avaliação na chamada “cascata de cobertura”: (1) percepção de necessidade de tratamento, (2) contato com serviços de saúde e (3) recebimento de um tratamento efetivo, definido com base em critérios de frequência, duração e aderência, tanto para psicoterapia quanto para farmacoterapia. No caso do AUD, os dados indicaram que apenas cerca de um terço dos afetados percebiam a necessidade de ajuda, e uma fração ainda menor efetivamente buscava ou recebia tratamento com qualidade compatível às diretrizes internacionais.1


Desigualdade de Acesso e Subutilização dos Serviços

A baixa percepção da necessidade de tratamento, aliada ao estigma social e ao despreparo de muitos profissionais de saúde, contribui para o subtratamento do AUD. Uma revisão publicada na Lancet Psychiatry em 2022, reforça esse cenário ao apontar que menos de 10% dos pacientes com AUD na Europa recebem algum tipo de intervenção especializada, mesmo com histórico de contato prévio com os serviços de saúde.2

 

Impacto de Intervenções Simples e Oportunas

Estudos também sugerem que até mesmo intervenções breves, realizadas durante hospitalizações por outras causas, podem reduzir mortalidade e readmissões entre pessoas com dependência de álcool e outras substâncias. Uma pesquisa mostrou que esse tipo de abordagem pode gerar benefícios clínicos relevantes, ainda que o paciente não tenha acesso subsequente a serviços especializados.3

 

Conclusão e Implicações para Políticas Públicas

Diante da grande lacuna no tratamento da dependência de álcool e outras substâncias, é urgente uma resposta que vá além de ampliar a oferta de serviços. É preciso capacitar a atenção primária para identificar e iniciar o tratamento, garantir a continuidade do cuidado e enfrentar o estigma que ainda afasta muitos pacientes dos serviços.

Em muitas cidades brasileiras, ainda faltam medicamentos básicos para o tratamento da dependência de álcool, o que compromete diretamente a eficácia das intervenções. Políticas públicas devem focar não só no acesso, mas na qualidade do tratamento, assegurando formação profissional, oferta regular de medicamentos e integração entre saúde mental e atenção primária.


 

 

 

O estrogênio desempenha um papel fundamental nas respostas neurobiológicas ao álcool em mulheres. Evidências recentes mostram que flutuações hormonais ao longo do ciclo menstrual e ao longo da vida podem influenciar a sensibilidade ao álcool, o padrão de consumo e os riscos associados ao seu uso. 

 

Estudos pré-clínicos e clínicos indicam que o estrogênio amplifica os efeitos da dopamina em áreas cerebrais relacionadas ao sistema de recompensa, como o corpo estriado e o córtex pré-frontal. Isso pode aumentar a vulnerabilidade das mulheres ao desenvolvimento de transtornos por uso de álcool, especialmente em fases da vida com altos níveis estrogênicos, como durante o ciclo ovulatório, gravidez ou terapia hormonal.1

1. Efeito do uso de álcool sobre o estradiol

O estradiol é um hormônio esteroide, especificamente um estrogênio, produzido principalmente nos ovários em mulheres e em menor quantidade nos testículos em homens. Estudos indicam que o consumo de álcool pode aumentar os níveis de estradiol em mulheres, efeito observado tanto em mulheres em idade reprodutiva quanto em mulheres na pós-menopausa. Alguns estudos mostram que mulheres que consomem uma ou mais doses de álcool por dia apresentam níveis mais elevados de estradiol em comparação àquelas que consomem menos, especialmente quando os níveis hormonais são avaliados durante a fase lútea do ciclo menstrual.2,3 Em contrapartida, mulheres com transtorno por uso de álcool em tratamento ou em abstinência precoce frequentemente apresentam níveis mais baixos de estradiol do que mulheres sem transtorno.4  

2. Impacto do estradiol sobre o uso de álcool

Altos níveis de estradiol parecem aumentar a vulnerabilidade das mulheres ao uso de álcool. O hormônio influencia regiões cerebrais envolvidas na recompensa, como o corpo estriado e o núcleo accumbens. Um estudo conduzido por Martel et al. (2017), com 22 mulheres em idade reprodutiva, mostrou que níveis mais altos de estradiol estavam associados a maior consumo de álcool e episódios de binge drinking. Essa associação foi mais forte quando os níveis de estradiol estavam altos e os de progesterona baixos, um padrão hormonal típico da fase ovulatória do ciclo menstrual.5

 

Embora as evidências atuais apontem para uma interação relevante entre os níveis de estradiol e o uso de álcool em mulheres, os mecanismos fisiológicos subjacentes ainda não são completamente compreendidos. Ainda são necessários estudos experimentais e longitudinais para elucidar como o estradiol influencia a neurobiologia da recompensa e da vulnerabilidade ao uso de álcool, bem como os efeitos do álcool sobre a função endócrina em diferentes fases da vida da mulher.

 

Veja também Estrogênio e Álcool: os hormônios femininos podem influenciar o consumo de álcool em mulheres?

 

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