O consumo de álcool e o envolvimento com jogos de azar estão constantemente interligados, especialmente em contextos de entretenimento, como cassinos, bares, eventos esportivos e sociais. No entanto, esses comportamentos de risco podem levar a problemas sérios de saúde mental.
O DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – 5a Edição)1 menciona o jogo compulsivo (ou jogo patológico) como um transtorno mental e aponta uma ligação com o uso de substâncias e comportamentos compulsivos. Frequentemente, o transtorno de jogo está relacionado com o abuso de álcool, uma vez que, sob a influência do álcool, os jogadores podem se envolver mais em jogos de azar, gastar dinheiro, e consequentemente, desenvolver este comportamento problemático2.
Isso acontece porque o cérebro de jogadores compulsivos e dos indivíduos que abusam do álcool é afetado por alterações em circuitos cerebrais específicos, que envolvem processos no sistema recompensa, no controle de impulsos, na tomada de decisões e na regulação emocional2.
Um estudo de revisão3 indicou que a ativação de áreas cerebrais relacionadas à memória, recompensa e funções executivas podem ser o mecanismo subjacente a esse comportamento. Especificamente, as regiões cerebrais do núcleo accumbens e estriado (ventral e dorsal), regiões para-hipocampais, amígdala e várias regiões do córtex pré-frontal apareceram mais ativas em indivíduos expostos ao jogo3. Além disso, a região da ínsula pode desempenhar um papel fundamental conectando esses três sistemas em uma rede neural altamente integrada com várias implicações para a modulação do processamento de recompensas, aprendizagem associativa e regulação da atenção que aparentemente “melhoram” sinais relacionados ao vício. E esses resultados se mostram consistentes com descobertas anteriores relacionadas ao uso de substâncias como álcool, tabaco, maconha ou cocaína3.
Assim, no cérebro de jogadores compulsivos que fazem consumo abusivo de álcool existe uma complexa interação entre o intenso desejo de recompensa imediata, a incapacidade de inibir comportamentos arriscados e uma maior sensibilidade ao estresse e aos fatores ambientais. Ao jogar e beber, esses indivíduos experimentam prazer imediato, mas ao custo de consequências negativas a longo prazo.
Beber e jogar são atividades mutuamente conectadas e a comorbidade do alcoolismo e jogo patológico tem sido mais uma regra do que uma exceção2. Além do fato de que um transtorno pode preceder o outro, e vice-versa, também compartilham vulnerabilidade genética e fatores de risco2.
A comorbidade do alcoolismo e do jogo compulsivo é um problema clínico e social. No entanto, este problema é estigmatizado e, muitas vezes, concomitante com a falta de cooperação do indivíduo que o sofre em relação ao tratamento, tornando-o desafiador. Com isso, mais pesquisas devem ser realizadas com o propósito de encontrar tratamentos apropriados para esses pacientes. A desregulação dos sistemas cerebrais de recompensa e controle inibitório pode resultar em um ciclo vicioso difícil de romper sem intervenção adequada.
As evidências científicas mostram que o álcool e o jogo patológico compartilham mecanismos neurobiológicos comuns, reforçando a importância de abordagens preventivas e terapêuticas integradas. A prevenção deve ser direcionada para a educação da população sobre os riscos associados a esses comportamentos, especialmente em grupos de maior vulnerabilidade. No que diz respeito ao tratamento, a combinação de terapias psicológicas, como a terapia cognitivo-comportamental4, com abordagens farmacológicas5 e de suporte social mostra-se promissora. Além disso, a desmistificação e a redução do estigma associados a esses transtornos são fundamentais para incentivar a busca por ajuda e facilitar o acesso aos serviços de saúde.