O Brasil desenvolveu seu próprio método para medir quanto álcool a população consome por ano. O novo indicador, chamado APC-Brasil, usa dados nacionais de produção e vendas de bebidas, diferentemente do método da Organização Mundial da Saúde (OMS), que se baseia em estimativas internacionais.
Texto:
O consumo de álcool é um grave problema de saúde pública no Brasil. Foi o sétimo fator de risco para mortalidade no país em 2021, causando cerca de 20 mil mortes anuais. Para criar políticas eficazes de prevenção, é fundamental ter dados precisos sobre quanto álcool realmente se consome.
O indicador da OMS mostra uma redução no consumo brasileiro per capita de álcool, mas pesquisas nacionais, como o Vigitel, indicam outro cenário, com aumento no beber episódico pesado (binge drinking) no último ano da pesquisa (2023). Essa discrepância levou pesquisadores brasileiros a desenvolver um método próprio 1.
Como funciona o novo indicador
O APC-Brasil calcula quantos litros de álcool puro cada brasileiro consome por ano, considerando apenas pessoas com 15 anos ou mais. Diferentemente de pesquisas populacionais que perguntam às pessoas sobre seus hábitos de consumo, este indicador utiliza dados objetivos de produção industrial de bebidas (cerveja, cachaça, vinho, etc.), importações e exportações, projeções populacionais do IBGE e estimativas de consumo de álcool não registrado (bebidas falsificadas ou caseiras). O método captura o consumo total disponível para a população através da fórmula: [(Produção + Importação - Exportação) / População ≥15 anos] + álcool não registrado per capita, funcionando como uma medida de disponibilidade per capita que reflete a quantidade total de álcool teoricamente disponível para cada pessoa, independentemente dos padrões individuais de consumo moderado ou abusivo.
Validação científica
Para garantir a confiabilidade, o indicador passou por dois tipos de validação:
Validação de especialistas: Uma oficina com técnicos do IBGE, Ministério da Saúde, universidades e organismos internacionais aprovou por unanimidade o método de cálculo e as fontes de dados.
Validação externa: Os resultados foram comparados com outros indicadores nacionais de 2005 a 2020, incluindo pesquisas populacionais (Vigitel e PNS), dados de vendas e mortalidade por causas atribuíveis ao álcool.
Principais achados
A validação revelou diferenças importantes entre os métodos:
O indicador brasileiro se correlacionou positivamente com a mortalidade por causas plenamente atribuíveis ao álcool, confirmando sua precisão.
Tendências preocupantes
Dados das pesquisas nacionais confirmaram tendências preocupantes:
Limitações e desafios
O indicador tem limitações importantes:
Importância para políticas públicas
O APC-Brasil agora é o indicador oficial para monitorar o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especificamente a meta de reduzir em 10% o consumo de álcool.
Com dados mais precisos sobre a realidade brasileira, gestores podem:
Próximos passos
Os pesquisadores recomendam:
O estudo demonstra a importância de países desenvolverem indicadores próprios, baseados em realidades locais, para monitorar problemas complexos de saúde pública como o consumo de álcool. Contudo, a implementação desses indicadores nacionais apresenta limitações que devem ser consideradas. O APC-Brasil possui uma defasagem temporal de dois anos para disponibilização dos dados industriais, o que pode retardar a identificação de mudanças nos padrões de consumo. Além disso, existe dificuldade para captar adequadamente o consumo de álcool não registrado (bebidas falsificadas ou caseiras), que pode representar uma parcela substancial do consumo total. O indicador também não considera aspectos qualitativos importantes, como o contexto do consumo (se acompanhado de refeições ou isoladamente) e as especificidades regionais dentro do país. Adicionalmente, a metodologia se baseia em dados de produção industrial que contemplam apenas empresas com 30 empregados ou mais, potencialmente subestimando a produção de pequenos produtores locais. Essas limitações destacam a necessidade de abordagens complementares, incluindo inquéritos populacionais regulares e métodos para melhor captar o álcool não registrado, visando aprimorar continuamente a precisão do monitoramento.