Sabe-se que o consumo nocivo de álcool pode ter vários impactos negativos, estando relacionado a diversos problemas de saúde e familiares. Por essa razão, muitos esforços têm sido feitos para identificar os fatores de risco ambientais que levam ao seu abuso. Há evidências científicas de que a exposição a conteúdos relacionados ao uso nocivo de álcool pode predispor os jovens a padrões de consumo prejudiciais, reforçando a crença equivocada de que beber excessivamente é um comportamento normativo e esperado. Até pouco tempo atrás, os estudos sobre esse assunto se detinham apenas sobre a exposição ao marketing de álcool através dos canais de mídia tradicionais, como televisão, rádio, outdoors e filmes. No entanto, dado que o uso de mídias sociais cresceu exponencialmente nos últimos anos e esse crescimento deve continuar, é fundamental compreender os efeitos que a publicidade nesses canais pode ter sobre os jovens.
Revisões sistemáticas concluíram que o contato com o marketing digital de álcool está associado ao início precoce e ao aumento do consumo de álcool entre adolescentes e adultos jovens, assim como ao BPE - beber pesado episódico1,2. Embora os efeitos tenham sido descritos como moderados, essa é uma questão que desperta preocupação.
O Facebook, rede social mais utilizada no Brasil, estabelece 13 anos como idade mínima para sua utilização. Ao contrário do Facebook, o Twitter não pergunta a idade do usuário para criação de uma conta, embora suas políticas afirmem que as contas de usuários com menos de 13 anos serão desativadas. Embora existam restrições para proteger os jovens de exposição a anúncios de álcool na mídia tradicional (por exemplo, recomendações para limitar comerciais de álcool durante a programação televisiva voltada para jovens)3, os adolescentes ainda têm acesso à publicidade de bebidas alcoólicas em muitos desses locais4.
As mídias sociais apresentam uma dificuldade adicional para evitar a exposição, dado que são ambientes pouco regulados5. Existem softwares, por exemplo, que permitem que as marcas de álcool peçam verificação de idade antes de um usuário tornar-se seguidor da marca e interagir com ela. No entanto, as tecnologias de restrição de idade demonstraram ser ineficazes6, significando que jovens abaixo da idade legal de beber podem acessar conteúdo publicado por marcas de bebidas alcoólicas7.
Restaria comprovar se a mera exposição ao conteúdo de álcool nas mídias sociais poderia influenciar o comportamento dos jovens. Nesse sentido, os estudos mais recentes apontam um dado importante: não se constata relação significativa entre a simples exposição ao conteúdo de álcool e seu consumo entre os jovens. Na verdade, o que se mostrou significante foi o engajamento ativo com essa publicidade, por meio de curtidas, cliques e compartilhamentos2,8.
Revisão sistemática conduzida para examinar estudos sobre a associação entre a exposição ao marketing digital de álcool e seu consumo performou análise qualitativa de 25 estudos sobre o tema em diversos países, incluindo o Brasil8. Houve uma constatação consistente nos estudos de que a participação ativa e o envolvimento com o marketing digital de álcool - como clicar em um anúncio de álcool, visitar um site com marca de álcool, curtir ou compartilhar um anúncio nas mídias sociais ou fazer download de conteúdo com a marca - foi positivamente associado ao uso de álcool. Os efeitos da simples exposição à publicidade digital de álcool sem engajamento foram inconclusivos, no entanto.
Regulamentação das mídias sociais
A Finlândia foi o primeiro país no mundo a incorporar regulamentação específica de mídias sociais em sua Lei de Álcool. A alteração entrou em vigor em 2015 visando limitar o uso das mídias sociais para fins de comercialização de álcool, a fim de proteger menores e impedir o uso de álcool por adolescentes. Um estudo9 comparou publicações que comercializam álcool em mídias sociais finlandesas e suecas em termos de número, conteúdo e engajamento dos usuários em três anos separados: 1 ano antes, 1 ano depois e 2 anos após a Lei do Álcool de 2015 entrar em vigor.
Os resultados mostram que a regulamentação não teve impacto imediato no marketing de álcool nas mídias sociais. Com base nas amostras de 2014 e 2016, as marcas e produtores aumentaram consideravelmente sua comunicação comercial relacionada ao álcool na Finlândia e na Suécia. Observou-se uma diminuição no número de postagens em 2017, com aumento simultâneo no envolvimento do usuário. De acordo com estudos anteriores, isto indicaria um uso mais eficaz das mídias sociais como plataforma de marketing. Além disso, dado que o engajamento com o conteúdo aumentou a despeito da diminuição quantitativa das publicações, conclui-se que a influência do conteúdo também se tornou maior.
Nesse sentido, os pesquisadores alertam para a necessidade de mais estudos sobre as interações dos jovens com o conteúdo das plataformas sociais online e a influência dessas interações sobre seu comportamento.
Influência dos pares no consumo de álcool entre jovens
Outra questão importante é a influência de amigos no comportamento dos jovens. Diversos estudos indicam que os colegas são uma importante fonte de influência nas atitudes de saúde, intenções e comportamentos dos adolescentes10. Em particular, o início precoce do consumo de álcool é determinado, pelo menos em parte, por seu uso por amigos dos adolescentes e pelas características das redes sociais11. Assim, adolescentes que veem referências a álcool nos perfis de seus colegas no Facebook percebem-nas como fontes influentes de informação e passam a divisar o uso de álcool como normativo, tornando-se mais propensos a relatar interesse em iniciá-lo12. Nesse sentido, uma questão importante é a presença do álcool como componente na sociabilidade dos jovens, aspecto ainda pouco explorado pelas pesquisas.
Dado que os jovens estão expostos a esse tipo de conteúdo nas mídias sociais, seja por meio das marcas de bebida ou por meio dos pares, políticas públicas e campanhas educativas que procurem entender o lugar do álcool no contexto da sociabilidade dos jovens e atuem no sentido de dirimir essa presença mostram-se fundamentais. Pesquisadores sugerem que as próprias redes sociais podem ser utilizadas para identificar e desafiar as construções sociais sobre o consumo de álcool entre os jovens, por meio de sua apropriação como canal de informações confiáveis sobre saúde e meio de comunicação de mensagens de prevenção.