Para eficácia no tratamento do paciente com transtornos relacionados ao uso de álcool é necessária a obtenção de uma séria de informações, que vão desde a predisposição familiar até problemas relacionados ao consumo ou abstinência. Fica claro que uma anamnese minuciosa é fundamental, mas este é o ponto de partida para uma séria de objetivos a serem seguidos no seguimento.
Substâncias bioquímicas podem indicar a presença ou progressão de uma condição ou uma predisposição genética, sendo chamadas de marcadores genéticos quando sabidamente estão associados a alguma doença. No alcoolismo a função dos marcadores biológicos é de grande importância, seja para auxiliar o diagnóstico, seja para avaliar as sequelas decorrentes do abuso alcoólico.
Existem dois tipos de marcadores genéticos: de estado ou de traço. Os marcadores de estado referem-se à substâncias biológicas que revelam o padrão de consumo alcoólico atual ou passado recente. Os marcadores de traço revelam a predisposição para o abuso alcoólico.
Um bom marcador deve ser sensível e específico, isto é, com baixo percentual de falsos negativos (teste negativo quando na verdade o indivíduo tem problemas com o álcool) e grande percentual de verdadeiros positivos (teste positivo em indivíduos que apresentam problemas). Deve ter também grande acurácia e precisão, isto é, medir somente aquilo em que foi determinado a medir e poder ser repetido sem variação no resultado, respectivamente. Não há marcador totalmente sensível, específico, acurado e preciso. Portanto, a clínica ainda é fundamental tanto para o diagnóstico, como para a condução dos casos.
Marcadores de estado
Podem revelar padrões de consumo agudo e crônico da ingesta de álcool. São a expressão química da presença do álcool ou seus sub produtos no organismo, ou podem refletir mudanças celulares a partir da exposição, aguda ou crônica, de álcool.
Gama-GT
Esta glicoproteína é encontrada em células hepáticas e outras células envolvidas na produção de bile. O aumento de gama-GT é um indicador inicial de doença hepática. Pessoas que fazem uso crônico de álcool têm aumento sérico de gama-GT, embora esta glicoproteína não seja sensível, já que somente 30 a 50% dos etilistas em excesso apresentam aumento desta enzima na população geral. Também é pouco específico, pois pessoas com outras doenças, como pancreatite e doença prostática, podem apresentar elevação de seus níveis.
AST/ALT
São enzimas que ajudam a metabolização dos aminoácidos. São menos sensíveis que a gama-GT no alcoolismo, sedo mais úteis como indicativo de doença hepática, revelando pouca proporcionalidade em relação ao consumo alcoólico. Entretanto, alguns estudos revelaram aumento destas enzimas em pessoas sadias que ingeriram grandes quantidades alcoólicas em um período curto de tempo. A enzima ALT é mais específica de doença hepática, pois só é encontrada em células de fígado, enquanto a AST é encontrada também em outros tecidos, como cardíaco, renal, músculo-esquelético e cerebral. Não possui acurácia para pacientes com menos de 30 e mais de 70 anos.
Volume Corpuscular Médio (VCM)
Representa o volume médio das hemácias, sendo alterado pelo consumo crônico de álcool. É pouco útil clinicamente, pois sua alteração se dá somente após meses de ingestão excessiva de álcool, e também só retorna para normalidade após meses de abstinência. Pode também representar outra entidade patológica, não relacionada com o consuma alcoólico.
N-acetil-beta-hexosaminidase (Beta-Hex)
Esta enzima se eleva assim que há ingesta alcoólica excessiva. Tem se mostrado específica e sensível para ingesta alcoólica em estudos recentes. Ao contrário do VCM, após 7 a 10 dias de abstinência tende a retornar ao normal. Entretanto, por ser um exame relativamente novo, é pouco disponível nos EUA. Outras condições, como diabetes ou hipertensão, podem causar sua elevação.
Transferrina Carboidrato-Deficiente (CDT)
É uma variação da glicoproteína transferrina, que carreia o ferro no sangue. Como o próprio nome diz, está deficiente de um carboidrato, o ácido siálico. Normalmente a transferrina possui seis moléculas de ácido siálico, mas pesquisas recentes apontam para uma inabilidade de ligação na transferrina quando há consumo de álcool. Portanto, o consumo de álcool leva a um aumento desta transferrina no sangue. É usada como screening para consumo alcoólico.
Novos marcadores
Índice plasmático de ácido siálico da apolipoproteína J: sua justificativa é a mesma do CDT.
Ácido siálico total no soro: sua justificativa é a mesma do CDT 5-hidroxitriptofol: é um sub produto da quebra de serotonina, que ocorre quando o acetaldeído (sub produto da quebra do álcool no organismo) atinge níveis liquóricos.
Seu aumento pode ser encontrado na urina pouco após uma hora da ingesta alcoólica. É especialmente útil em atendimentos de emergência.
Ésteres Etil Ácidos Gordurosos (FAEE): é um sub produto da quebra do álcool, assim como o acetaldeído. É a combinação de quatro moléculas encontradas separadamente no fígado, pâncreas e tecido adiposo, encontradas após 24 horas do consumo alcoólico. Pode ser encontrada no cabelo, sendo usada como marcador de uso crônico.
Etil-Glucuronida (EtG): é outro metabólito menor da quebra do álcool no organismo. Pode ser detectada até 36 horas a 5 dias após o consumo de álcool na urina. Sua obtenção é difícil, pois são necessários aparelhos específicos e caros.
Acetaldeído: é o primeiro metabólito do álcool no organismo. Com se liga à proteína séricas, sua obtenção depende de uma série de processos de detecção, como cromatografia e fluorescência, sendo chamado de WBAA (acetaldeído associado ao sangue total).
Salsolinol: este composto é formado a partir de reações de dopamina com sub produtos do álcool, como acetaldeído ou piruvato. Tem se mostrado promissor para indicar o consumo crônico do álcool.
Proteômicos: são proteínas que podem indicar a presença de um gene que marca a predisposição ao consumo de álcool. Está sendo estudado o padrão protéico de pessoas com grande consumo alcoólico (mais de 10 drinques por dia nos últimas 10 anos), seno encontrada algumas diferenças protéicas significativas, como fragmentos de fibrinogênio alfa-E e fragmento da apoproteína A-II.
Marcadores de traço
Estão sendo desenvolvidos com a finalidade de marcar predisposições genéticas ao abuso de álcool e alcoolismo. Devido à dificuldade de obtenção, são seguidos parentes com problemas relacionados ao uso de álcool. Os marcadores devem revelar a herdabilidade, a associação com a doença na população geral e devem ser independentes de outros traços de doenças. Os estudos neste campo são promissores.
Atividade da Adenil-Ciclase
Esta proteína é encontrada nas membrana celulares, sendo responsável para prover energia. Estudos mostraram que ela é menos ativa em alcoólatras abstinentes, em comparação a não-alcoólatras. Em contrapartida, ela aumenta sua atividade quando há consumo alcoólico. Contudo, parece que outras substâncias também estão relacionadas com sua baixa atividade, como a maconha.
Ácido Gama-Aminobutírico (GABA)
Este neurotransmissor é responsável pele influxo de íons para dentro dos neurônios, na sinapse neuronal, conduzindo os impulsos nervosos. Estudos encontraram baixos índices de GABA em alcoolistas.
Dopamina
Outro neurotransmissor bastante estudado como marcador biológico em alcoólatras. Alguns estudos revelam diminuição de sua atividade após anos de abstinência, enquanto outros demonstram aumento de sua atividade durante o consumo agudo.
Beta-endorfina
É um neurotransmissor tipo opióide produzido pela glândula pituitária. Ativa receptores que produzem sensação de bem estar. Estudos revelam que alcoolistas têm menores níveis de beta-endorfina que não-alcoolistas, e que filhos de alcoolistas também apresentam diminuição deste neurotransmissor.
Serotonina
Estudos a partir de triptofano, um sub produto da serotonina, revelam que há uma diminuição deste neurotransmissor em pessoas que fazem uso abusivo de álcool. Alcoólatras em abstinência prolongada tendem a apresentar aumento da atividade no transporte de serotonina.