O consumo de álcool por jovens e adolescentes é um problema de saúde global que requer atenção das autoridades, profissionais da saúde, pais e educadores O consumo de álcool por jovens e adolescentes é um problema de saúde global, que está associado com exposição a riscos e uma série de complicações à saúde, tais como prática de sexo sem proteção, maiores índices de gravidez, aumento no risco de dependência de álcool em idade adulta, mortes por traumas e queda no desempenho cognitivo e escolar. Assim, a discussão desse tema é de grande importância para a saúde pública, requerendo a atenção das autoridades, profissionais da saúde, pais e educadores. 1. Jovens em idade escolar e estudantes universitários no Brasil Segundo os dados da última edição da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) de 20191, a experimentação de bebidas alcoólicas dos escolares entre 13 e 17 anos foi de 63,3%. A pesquisa também mostrou diferenças significativas quanto à experimentação do álcool por sexo: as escolares mulheres apresentaram um percentual de 66,9%, enquanto nos escolares homens esse percentual foi de 59,6%. Com relação ao consumo abusivo de álcool, a pesquisa mostrou que 47% dos escolares de 13 a 17 anos referiram episódio de embriaguez na vida e, nos 30 dias anteriores à pesquisa, 9,7% dos escolares de 13 a 17 anos entrevistados relataram ter consumido quatro ou mais doses de bebida alcoólica em um mesmo dia e 6,9% cinco ou mais. Saiba mais em Juventude e Álcool: cenário atual. A entrada na universidade é um rito de passagem importante na vida dos jovens, e costuma estar relacionado a um aumento do consumo de álcool. Um estudo realizado entre os estudantes da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)2 mostrou uma alta prevalência de consumo de álcool entre os universitários (79,8%). Com relação à periodicidade de consumo, 68,8% dos estudantes relataram que bebem mensalmente (2 a 4 vezes ao mês). O estudo também mostrou que o consumo abusivo de álcool foi de 23,4% entre estes estudantes. A média de idade com que os estudantes começaram a beber foi 15 anos, mesmo com a proibição por lei de consumo por menores de idade no país. Isso mostra que o hábito de beber se estabeleceu antes da entrada na faculdade, porém, após o ingresso, esse consumo pode ter ficado mais intenso e frequente, devido a maiores oportunidades de interação e socialização entre os jovens, como em festas de faculdade e na durante a busca de admiração e aceitação pelo novo grupo2. 2. Motivos que levam os jovens e adolescentes ao consumo de álcool Um estudo realizado na Suíça3, que avaliou o consumo de álcool em um grupo de 5379 jovens, com média de idade de 15 anos, mostrou que o consumo de cerveja e de destilados estava associado de maneira positiva com os motivos relacionados a busca de efeitos (beber porque é legal, para ficar descontraído ou para ficar embriagado). Já os motivos sociais (beber em festas ou na companhia de amigos) estavam associados ao consumo de bebidas do tipo "batidas" e os motivos de aceitação (beber para ser aceito por amigos ou pelo grupo) estavam associados ao uso de vinho. Assim, os autores sugerem que os destilados e a cerveja seriam a opção preferida na busca de efeitos devido, respectivamente, à elevada concentração alcoólica e ao preço acessível, ao passo que o vinho e as "batidas" sofreriam influência maior do contexto social. Um estudo de 2020 mostrou que postagens relacionadas ao uso de álcool por influenciadores de redes sociais também podem influenciar o consumo entre adolescentes e jovens adultos4. A pesquisa mostrou que 63,5% dos influenciadores sociais avaliados postaram sobre álcool em suas redes sociais. Um outro estudo mais recente realizado na rede social TikTok mostrou que 98% dos vídeos mais populares selecionados expressou "sentimentos pró-álcool", sendo que a maioria dos vídeos (72%) incluía bebida alcóolica5. Isto é bastante preocupante, dado que os influenciadores digitais (ou seja, indivíduos com potencial para influenciar grandes públicos nas mídias sociais) podem ter uma forte persuasão sobre os jovens, incluindo menores de idade, potencialmente estimulando o consumo de álcool nessa faixa etária vulnerável4. 3. Consequências relacionadas ao uso precoce de álcool A idade de início do consumo de álcool é preocupante em diversos aspectos. Sabe-se que os menores de idade que fazem uso de álcool tendem a se expor a situações de risco como a prática de sexo sem preservativo e com múltiplos parceiros6. Além disso, quanto mais cedo ocorre o uso de álcool, maior o risco associado de desenvolver dependência na vida adulta. Os possíveis motivos que justificam essa associação vão desde prejuízos no julgamento causados pelo álcool, escolha de pares e amigos, bem como envolvimento em situações de risco6. 4. Efeitos do uso precoce do álcool no cérebro Em termos gerais, os adolescentes, em comparação aos adultos, são mais sensíveis aos efeitos neurotóxicos do consumo de álcool. O cérebro do adolescente, que apresenta bastante plasticidade, pode sofrer mudanças duradouras em decorrência do uso de álcool e, consequentemente, provocar mudanças de comportamento. Uma revisão de literatura sobre o efeito do uso de álcool no cérebro e no comportamento do adolescente7 mostrou que o consumo excessivo de álcool e o Beber Pesado Episódico (BPE) estão associados a um funcionamento cognitivo mais fraco, incluindo aprendizado, memória, funcionamento visuoespacial, velocidade psicomotora, atenção, funcionamento executivo e impulsividade. O consumo de álcool durante a adolescência também está associado a diminuições da substância cinzenta e aumentos atenuados no volume da substância branca do cérebro, além de uma atividade neuronal anômala durante o funcionamento executivo, controle da atenção e tarefas de sensibilidade à recompensa. O estudo também relata que o impacto danoso do álcool sob o cérebro do jovem parece ser mais intenso entre mulheres, entre filhos de pais alcoolistas e entre aqueles jovens que já fazem consumo de outras drogas (cigarro e maconha, por exemplo)7. Vale salientar também a ocorrência de “apagões”, incidentes provocados pelo uso de álcool e caracterizados pela impossibilidade de evocar lembranças de um evento8. O uso de álcool na adolescência, fase marcada pelo aprendizado e pelo amadurecimento, pode prejudicar o desenvolvimento cognitivo do jovem. A exposição precoce ao álcool pode ter impactos específicos no funcionamento do hipocampo a longo prazo. Um estudo mostrou que a idade de consumo mais precoce foi associada a desmaios mais frequentes (durante o período de 3 anos) que persistiram apesar da redução nos episódios de BPE8. Ademais, os estudos sugerem que esses jovens que tiveram “apagões” de memória tendem a se envolver em incidentes como brigas, vandalismo, discussões e prática de sexo desprotegido. 5. Políticas preventivas ao uso precoce de álcool O consumo excessivo de álcool por adolescentes e adultos jovens coloca este grupo sob risco de inúmeras consequências prejudiciais relacionadas ao seu bem-estar físico, mental e social. Assim, é importante promover programas de intervenção precoce que sejam eficazes para prevenir ou retardar o início do uso de álcool, ou até intervir para que não se tornem usuários mais pesados9. Uma das abordagens é a “intervenção breve”, definida como conjunto de práticas que visam identificar um problema, real ou potencial, relacionado ao uso do álcool. Através de conversa com um profissional treinado, buscando avaliar consumo de álcool, padrões nocivos e conhecimento dos problemas associados ao seu uso, o objetivo desta abordagem é motivar a pessoa a reconhecer que existe um problema e a buscar ajuda especializada. Um estudo de revisão sistemática mostrou que os jovens que passaram por intervenção breve reduziram seu consumo de álcool de 6 dias para 1 dia ao mês e estes efeitos persistiram por cerca de um ano após o recebimento da intervenção9. Cerca de 10% dos jovens que bebem conseguem álcool por algum membro da família10. Assim, uma outra abordagem como as “intervenções guiadas pela família” teria grande importância para a prevenção do consumo de álcool entre os adolescentes. Esta intervenção consiste em orientações aos pais ou responsáveis para que estes: 1) Evitem o consumo nocivo de álcool; 2) Não permitam que seus filhos bebam em casa; 3) Conheçam as atividades e o ciclo de amizades dos filhos; 4) Estabeleçam relação afetuosa e de confiança com os filhos; 5) Procurem realizar atividades juntos, em lazer ou no cotidiano (refeições)10,11. As “intervenções lideradas por pares”, outra proposta de abordagem de intervenção, consistem em rodas de conversas informais entre pares, apresentação de vídeos, discussão e dramatização de papéis em torno das consequências sociais e de saúde, gatilhos, resistência à pressão dos pares, tomada de decisão etc. Se assemelham a grupos de ajuda mútua, como o dos Alcoólicos Anónimos, por exemplo. São reuniões conduzidas por um líder do grupo de estudantes e costumam ocorrer nas escolas. Estudos indicam que as intervenções lideradas por pares ajudam a prevenir comportamentos nocivos na adolescência, incluindo o consumo de álcool12. Com relação às “intervenções guiadas pelas escolas”, alguns programas implementados neste contexto são eficazes, enquanto outros não. Os que se mostram mais eficazes são aqueles que tem como o foco o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, como o Unplugged (#Tamojunto, na versão brasileira). O #Tamojunto2.0 é um programa composto por 12 aulas para alunos da 7ª/8ª séries, com foco no desenvolvimento de habilidades socioemocionais. Um estudo realizado em 73 escolas públicas no Brasil mostrou que o programa não teve efeitos para prevenir o BPE, mas teve impacto na redução da experimentação13. Por fim, as “intervenções guiadas por computador” utilizam elementos de animação e de jogos para educar as pessoas sobre o comportamento saudável. Esta abordagem demonstra aumentar a motivação, a cognição e a compreensão, além de mudar os comportamentos de saúde. Um estudo utilizando jogos de animação adaptados para computador mostrou-se uma ferramenta promissora para prevenir o consumo de álcool e o beber pesado em adolescentes14. Vale destaque também para as mudanças em termos de políticas públicas, as quais resultam em efeitos significativos tanto no comportamento dos jovens quanto na diminuição do consumo de álcool. Assim, medidas relacionadas ao beber e dirigir e de combate à venda e consumo de bebidas para jovens são de grande valia.