Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), ter uma política nacional escrita e específica sobre álcool é o primeiro sinal de comprometimento de um país com relação ao combate ao uso nocivo dessa substância. Apesar da política nacional específica sobre álcool ter surgido apenas em 2007 (decreto nº 6.117), políticas e leis sobre drogas em geral já existiam no Brasil há muito tempo. Este material foi elaborado pelo CISA com o objetivo de esclarecer sobre a longa trajetória de preparo e discussão sobre o tema.
As primeiras menções da regulamentação de substâncias já constavam no Código Penal do Império do ano de 1851, ainda somente sobre uso e venda de medicamentos. A primeira proibição surgiu no Código Republicano de 1890, determinando multa a quem vendesse ou ministrasse substância venenosa sem prescrição, mas sem especificar as substâncias. O Brasil passou a criar leis mais específicas sobre drogas em 1924 (decreto nº 4.294), em resposta à forte influência internacional de controle de consumo de substâncias, como a inclusão no Código Penal da pena de prisão para quem vendesse ópio ou derivados de cocaína. Nesse contexto, aderimos à chamada “guerra às drogas” em 1971 e foi criada a Lei nº 5.726, em linha com convenções internacionais da ONU, para repreender o tráfico de entorpecentes. Em 1976, com a Lei nº 6.368 ampliou-se o leque de ações de modo a incluir estratégias preventivas e destinadas a dependentes(1). Já a nossa atual constituição (1988) destacou a saúde como uma das condições essenciais à vida digna, sendo portanto um direito fundamental, o que repercutiu na elaboração das políticas sobre drogas que foram lançadas posteriormente.
Em 2003 foi criado um grupo técnico interministerial do Ministério da Saúde que, em 2005, embasou a criação de uma Câmara Especial de Políticas Públicas sobre o Álcool para ampliar o espaço de participação social na discussão do tema. “Esse processo permitiu ao Brasil chegar a uma política realista, sem qualquer viés fundamentalista ou de banalização do consumo, embasada de forma consistente por dados epidemiológicos, pelos avanços da ciência e pelo respeito ao momento sociopolítico do país. A política sobre álcool reflete a preocupação da sociedade em relação ao uso cada vez mais precoce dessa substância, assim como o seu impacto negativo na saúde e na segurança”, conforme publicação da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (2).
A questão do consumo de álcool também foi tratada na criação do Estatuto do Torcedor em 2003 (lei nº 10.671), que apesar de não tratar diretamente de bebidas alcóolicas, em seu artigo 13 detalha como condições para acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo: "não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência", o que potencialmente inclui bebidas alcoólicas. Apesar da lei não proibir diretamente a venda, porte e consumo de álcool em estágios, a proibição expressa nos estádios brasileiros se deu em virtude de um acordo de intenções firmado entre a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados.
Em 2005, quando o Brasil sediou a 1ª Conferência Pan-Americana de Políticas Públicas sobre o Álcool, com o apoio da Organização Pan-Americana de Saúde, foram desenvolvidas políticas intercontinentais sobre o tema e recomendou-se que os países das Américas elaborassem estratégias e programas capazes de prevenir e reduzir danos relacionados ao consumo nocivo de álcool. Mudanças importantes ocorreram e culminaram em 2006, com a aprovação da Lei nº 11.343, que “institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências”.
Assim, a partir dessas discussões, em maio de 2007 o Brasil passou a ter sua Política Nacional sobre o Álcool, que contemplou a intersetorialidade e a integralidade de ações para a redução dos danos sociais, à saúde e à vida, causados pelo consumo de álcool, bem como das situações de violência e criminalidade associadas ao uso prejudicial de bebidas alcoólicas. Até esse momento, o álcool estava incluído nas políticas sobre drogas, mas por ser uma substância lícita e com regulamentação de comércio, fazia-se necessário uma política específica desvinculada das demais substâncias ilícitas. Suas diretrizes envolvem os temas: Diagnóstico sobre o consumo de bebidas alcoólicas no Brasil; Tratamento e reinserção social de usuários e dependentes de álcool; Realização de campanhas de informação, sensibilização e mobilização da opinião pública quanto às consequências do uso indevido e do abuso de bebidas alcoólicas; Redução da demanda de álcool por populações vulneráveis; Segurança pública; Associação álcool e trânsito; Capacitação de profissionais e agentes multiplicadores de informações sobre temas relacionados à saúde, educação, trabalho e segurança pública; Estabelecimento de parceria com os municípios para a recomendação de ações municipais; e Propaganda de bebidas alcoólicas (2).
Posteriormente leis complementares foram criadas, sobretudo para o trânsito, em razão do alto índice de morbidade e mortalidade relacionados à perigosa associação do beber e dirigir. Em 2008, foi alterado o Código de Trânsito Brasileiro por meio da Lei nº 11.705 (“Lei Seca”), que impôs penalidades mais severas para o condutor que dirigir sob a influência do álcool, em que qualquer quantidade de álcool detectável sujeita o motorista a penalidades administrativas como multa, apreensão do veículo e suspensão do direito de dirigir por doze meses. Já os que apresentam concentração de álcool igual ou superior a 0,6 g/L de sangue estariam sujeitos também a penalidades criminais (2). Além disso, também foi proibida a venda e oferecimento de bebidas alcoólicas para consumo no local em rodovias federais e terrenos contíguos com acesso a rodovias (a regra não é válida para áreas urbanas). Em 2012 a Lei Seca tornou-se mais rigorosa e foram ampliadas as possibilidades de provas da infração de dirigir sob a influência de álcool. Em 19 de dezembro de 2017, foi sancionada a Lei nº 13.546, que traz punições mais rigorosas destinadas ao motorista que praticar os crimes de homicídio culposo (sem intenção) ou de lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, sob efeito de álcool ou de outras substâncias psicoativas que causem dependência.
O lançamento pelo governo federal do Plano Emergencial de Ampliação do Acesso ao Tratamento e Prevenção de Álcool e outras Drogas em 2009, incluiu tais serviços na rede de atendimento do SUS – Sistema Único de Saúde. A assistência foi ampliada ainda com a portaria 3088 (de 23/12/2011) que permitiu o acesso à rede de atenção psicossocial para usuários de álcool e outras drogas.
Em 17 de março de 2015 foi sancionada a Lei nº 13.106/2015, que tornou crime a oferta de bebidas alcóolicas para menores de idade, o que antes configurava apenas contravenção penal.
Como vimos, a elaboração de nossa política nacional sobre álcool cumpriu uma complexa e intensa trajetória e tem proporcionado avanços importantes na prevenção ao uso nocivo e cuidados aos dependentes de bebidas alcoólicas, além de tornar as leis mais adequadas e específicas. Assim, o modelo atual baseia-se em medidas educativas para advertir sobre os efeitos das drogas, prestar serviços à comunidade para recuperação e reinserção de usuários. Por fim, o Brasil aderiu a meta voluntária da OMS de reduzir o consumo nocivo de álcool em 10% até o ano de 2025 e esse conjunto de medidas visam o cumprimento dessa meta.