O uso nocivo de álcool é um dos fatores de risco de maior impacto para a morbidade, mortalidade e incapacidades, estando relacionado a cerca de 3,3 milhões de mortes a cada ano em todo o mundo. Dentre os prejuízos sociais associados, os acidentes de trânsito são um problema de preocupação mundial que acarretam um número excessivo de mortes e prejuízos por ano. Ainda, a população mais exposta ao risco de acidentes fatais no trânsito é paradoxalmente composta por aqueles que representam em grande parte o futuro da nação: os jovens.
Nas primeiras doses, o álcool atua como estimulante e pode temporariamente gerar a sensação de excitação. No entanto, como é um depressor do Sistema Nervoso Central, as inibições e a capacidade de julgamento são rapidamente afetadas, prejudicando o processo de tomada de decisões. Com o aumento do consumo, as habilidades motoras e o tempo de reação também sofrem consequências e o comportamento torna-se descontrolado, com tendência para maior impulsividade e agressividade, comprometendo mais a aptidão para dirigir. Ademais, a ingestão de altas doses de álcool pode causar sonolência ou até mesmo desmaios ao volante.
De acordo com o Relatório Global sobre Álcool e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), 15% das mortes decorrentes de acidentes de trânsito no mundo foram atribuídas ao álcool em 2012. Ainda, conforme destacado na tabela 1, estima-se que 18% e 5,2% dos acidentes de trânsito entre homens e mulheres, respectivamente, no Brasil foram causados pelo uso de bebidas alcoólicas.
Tabela 1. Estimativas de mortes relacionadas a acidentes de trânsito e porcentagem das frações atribuídas ao álcool em acidentes de trânsito (2012)*
*Adaptado de OMS, 2014
**Por 100.000 habitantes
Limites de concentração de álcool no sangue (CAS)
A concentração de álcool no sangue (CAS), denominada alcoolemia, pode ser detectada por diferentes métodos, como teste do etilômetro (conhecido como “bafômetro”, trata-se de um equipamento capaz de identificar a presença e quantidade de álcool no organismo a partir da análise do ar expelido pelos pulmões) e análise laboratorial de amostra de sangue.
Medidas preventivas relacionadas a combinação de álcool e direção são estratégias custo-efetivas para reduzir o uso nocivo de álcool e o ônus de acidentes de trânsito atribuídos a este comportamento. Estabelecimento de limites máximos de alcoolemia para os condutores, políticas de controle e fiscalização (testes de ar expirado) podem reduzir os acidentes de trânsito em cerca de 20%.
A partir da atualização da Legislação, o Brasil passa a ser ainda mais rigoroso no controle do beber e dirigir em relação a outros países. Na Figura 1, é possível analisar um mapa que ilustra os diferentes níveis de tolerância de CAS em 177 países.
Figura 1. Limite de concentração de álcool no sangue (CAS) para motoristas na população geral, 2016*
* OMS, 2018
De acordo com a OMS, o CAS máximo permitido para população geral fica entre 0,05– 0,07% (61 países) ou 0,08–0,15% (46 países). Em 18 países não há limite estabelecido e em 25 a tolerância é zero, o que significa proibir a condução de veículos sob influência de qualquer quantidade de álcool.
Legislação brasileira
O Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503, de 1997) vem sofrendo mudanças para adequar-se às tendências mundiais de controle de embriaguez no trânsito. Em dezembro de 2017 foi sancionada a Lei nº 13.546, deixando a Lei nº 12.760, que reforça a popularmente conhecida “Lei Seca” (nº 11.705/2008), mais rigorosa. Trata-se de uma alteração no Código de Trânsito Brasileiro que torna a punição mais severa para homicídio culposo (sem intenção de matar), em que a reclusão passa a ser de cinco a oito anos (antes era de dois a quatro anos) e para lesão corporal grave ou gravíssima, a pena passa a ser de dois a cinco anos (antes era de seis meses a dois anos de detenção). A lei também passa a punir com prisão pessoas que participem de campeonatos ilegais de manobras de veículos – antes apenas as corridas eram passíveis de punição. A punição segue a mesma - de seis meses a 3 anos de prisão. A fiança, porém, continua existindo. O Código de Processo Penal determina que acusados com possibilidades de pena maiores que quatro anos de reclusão só possam ser liberados sob fiança com uma autorização de um juiz.
A infração administrativa ocorre no caso do condutor apresentar qualquer concentração de álcool por litro de sangue, medição igual ou superior a 0,05 mg de álcool por litro de ar alveolar expirado ou sinais de alteração da capacidade psicomotora. A penalidade consiste em multa, suspensão do direito de dirigir por 12 meses, com recolhimento da carteira de motorista e retenção do veículo.
Configura-se crime o caso em que o motorista apresenta concentração igual ou superior a 0,6 g de álcool por litro de sangue, medição igual ou superior a 0,34 mg de álcool por litro de ar alveolar expirado, ou sinais de acentuada alteração da capacidade psicomotora. Nestes casos, o condutor fica sujeito à detenção de 6 meses a 3 anos, multa e suspensão ou proibição de obter novamente a carteira de motorista.
Dados nacionais sobre o comportamento de beber e dirigir
• População geral acima de 15 anos de idade
Dados do II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD) mostram uma mudança positiva no comportamento de dirigir sob influência do álcool após as mudanças na legislação (citadas acima). Ao comparar dados obtidos em 2006 e 2012, houve uma queda de 21% dos indivíduos que relataram terem dirigido após o consumo de álcool no último ano, confirme pode-se verificar na Figura 2.
Figura 2. Condução de veículo após consumo de álcool nos anos de 2006 e 2012*
* Adaptado de LENAD, 2014
A região Nordeste foi a que apresentou maior queda no uso de álcool associado a direção (-43%), seguida pela região Sudeste (-25%), Sul (-22%) e Norte (-7%). Apenas a região Centro-Oeste demonstrou aumento de 8%.
• Estudantes universitários
Segundo o I Levantamento Nacional sobre o Uso de Álcool, Tabaco e Outras Drogas entre Universitários das 27 Capitais Brasileiras, o álcool é a substância mais utilizada entre os universitários brasileiros, com aproximadamente 90% tendo relatado o consumo na vida. Especificamente relacionado ao comportamento de beber e dirigir constatou-se que, no ano que antecedeu a pesquisa:
- 18% dos estudantes relataram que dirigiram sob efeito do álcool;
- 12% relataram dirigir após ter ingerido quantidade superior a 5 doses para homens e 4 para mulheres, dentro de um período de 2 horas;
- Quase 30% dos jovens afirmaram já ter pego carona com motorista alcoolizado
- 16% já foi e 16% já pegou carona com o “motorista da vez”;
- O risco de pegar carona com motorista alcoolizado foi 4 vezes maior entre estudantes que ingeriram até 2 doses de álcool em relação aos abstêmios;
- O risco de dirigir embriagado foi 4 vezes maior entre aqueles que consumiram 3 a 4 doses de álcool quando comparados aos que haviam consumido 1 dose;
- Indivíduos que beberam 5 ou mais doses estavam 4,5 vezes mais propensos a se envolver em acidente de trânsito;
- Quanto maior quantidade de doses consumidas, mais probabilidade de engajar-se em comportamentos de risco no trânsito (dirigir automóveis sem o cinto de segurança, em alta velocidade, ser advertido ou brigar no trânsito).
• Urgência e emergência
De acordo com o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes - VIVA, do Ministério da Saúde, no ano de 2011 foram registrados 12.868 atendimentos em urgência e emergência por acidentes de transporte em todo o Brasil, sendo o 2º tipo de ocorrência mais frequente (26%) no respectivo ano, perdendo apenas para as quedas (31%). A suspeita de consumo de bebida alcoólica pelo paciente foi registrada em quase 20% destes atendimentos (20% dos homens e 8% de mulheres).
• Reincidência de beber e dirigir
Estudo realizado no estado do Rio Grande do Sul (BR) buscou fatores associados com a reincidência de beber e dirigir, considerando reincidentes aqueles flagrados dirigindo sobre influência de álcool mais que uma vez nos últimos 24 meses de acordo com dados do DETRAN-RS*.
Observou-se que, entre os participantes, 0,3% foram autuados por dirigir sob efeito de álcool dos quais 4,41% eram reincidentes. As categorias de habilitação menos reincidentes foram: A (moto), E (caminhões pesado) e AE (combinação das duas). Motoristas de ônibus e mini ônibus foram infratores com a menor frequência.
Ao comparar os subgrupos reincidentes e não reincidentes, os homens representaram 98% dos infratores reincidentes e 97% dos não reincidentes. Os reincidentes foram mais prevalentes no grupo com mais de 12 anos de habilitação e mais velhos (41 a 50 anos).
* DETRAN – Departamento estadual de trânsito, que faz parte do Sistema Nacional de Trânsito (SNT) e é responsável no estado pelas atividades de trânsito estabelecidas pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e por normatização própria. O RS refere-se ao órgão do estado do Rio Grande do Sul.
Conclusão
Dirigir sob a influência de álcool é causa de muitas mortes e prejuízos ao redor do mundo, e com grande impacto para o Brasil. Por esse motivo, governos têm atuado na elaboração de novas leis mais rigorosas e específicas, campanhas de conscientização e fiscalização do consumo de álcool por motoristas. O Brasil vem não só atualizando sua legislação, mas também ampliado as medidas educativas e fiscalizatórias, mas ainda registra elevados índices de acidentes de trânsito relacionados ao álcool. Tais medidas visam reduzir consequências nocivas do uso de álcool, isto é, o uso nocivo de álcool, cuja redução de 10% até 2025 representa meta estipulada pela OMS.