São cada vez mais abundantes as pesquisas que mostram a influência da microbiota, isto é, da colônia de bactérias que habita o intestino humano, na saúde física e mental. A microbiota se refere ao conjunto de microorganismos presentes em determinado local do corpo, neste caso, o intestino, e o microbioma diz respeito aos genes que constituem o genoma destes microorganismos.
Recentemente, a revista The Lancet Discovery Science – eBiomedicine publicou um estudo sobre como o eixo microbioma-intestino-cérebro poderia estar envolvido na regulação da cognição social, isto é, como as pessoas processam informações sobre si mesmas e os outros, e da compulsão de álcool em jovens bebedores abusivos1.
O estudo foi realizado com 71 jovens irlandeses (34 homens; 37 mulheres), com idade entre 18 e 25 anos e um dos critérios de seleção para este estudo era que o jovem tivesse passado por pelo menos um episódio de binge drinking nos últimos 30 dias antecedentes à pesquisa. Os participantes do estudo foram submetidos a uma entrevista clínica e em seguida, passaram por uma segunda visita na qual foi realizada avaliação neuropsicológica e coletadas amostras biológicas como saliva, cabelo, sangue e fezes. Por fim, foi realizado um acompanhamento destes participantes durante 3 meses, no qual puderam relatar seu uso e desejo por álcool, que foram medidos no início e no final do estudo.
Os resultados da pesquisa mostraram uma possível “assinatura” do microbioma intestinal destes jovens consumidores abusivos de álcool, caracterizando potenciais marcadores biológicos iniciais do desejo/compulsão no microbioma, além de identificar alterações nos marcadores inflamatórios como um dos potenciais mediadores na comunicação do eixo intestino-cérebro. Os autores também destacaram possíveis ligações entre o processamento emocional e o microbioma intestinal, que atualmente tem sido estudado de forma crescente na literatura científica. Por fim, reforçaram a importância desses achados para determinar biomarcadores precoces do uso abusivo de álcool antes que um vício se desenvolva.
A literatura científica médica tem destacado, nos últimos anos, a importância de se estudar o eixo microbioma-intestino-cérebro na tentativa de elucidar intervenções baseadas em microorganismos e estratégias terapêuticas para distúrbios neuropsiquiátricos, uma vez que a importância do eixo intestino-cérebro na manutenção da homeostase corporal tem sido considerada há muito tempo2. Além disso, estudos têm demonstrado alterações no microbioma intestinal que podem estar relacionadas aos transtornos por uso de álcool3-5. E, apesar destes estudos serem promissores, ainda é cedo para inferir que haja uma relação direta entre o consumo de álcool e o eixo intestino-cérebro.
O estudo aqui destacado, por exemplo, se refere a um estudo observacional, ou seja, ainda são necessários mais estudos para traçar as relações causais a fim de esclarecer e desvendar os fundamentos neurobiológicos por trás dessas associações. O estudo não traz uma análise metabolômica (estudo que tem como objetivo identificar e quantificar metabólitos) do sangue, por exemplo. Além disso, os participantes do estudo representavam uma população jovem que ingere álcool; o uso de outras substâncias ou psicopatologias foram critérios de exclusão, o que leva a um viés de seleção amostral. Ainda falando sobre os participantes, estes foram instruídos a abster-se de beber mais de duas doses dois dias antes da segunda visita, porém não foram realizados testes para confirmar esta adesão, o que também poderia limitar esta pesquisa. Por fim, o estudo não inclui a faixa etária mais jovem (adolescentes), o que seria de interesse para estudos futuros.
Alterações no eixo microbioma-intestino-cérebro constituem um assunto promissor para a compreensão dos mecanismos que levam ao consumo abusivo de álcool. Contudo, mais estudos são necessários para consolidar essa possível associação, pois é uma linha de pesquisa que pode contribuir para desvendar o risco de desenvolvimento de psicopatologia futura, especialmente durante o período da adolescência.
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