Vários estudos controlados sugerem que o uso de álcool estabelece íntima relação com o desenvolvimento de diabetes tipo II e doença coronariana, graficamente representadas por uma curva em U, de tal forma que a ação do álcool, se benéfica ou prejudicial, depende da dose empregada. A princípio, sugere-se que o efeito de álcool seja benéfico, porém, a partir de determinada dose, o efeito passa a ser prejudicial.
Os mecanismos pelos quais doses moderadas de álcool diminuem os riscos ao desenvolvimento dessas doenças ainda não estão bem estabelecidos. Tampouco se sabe se os tipos de bebidas alcoólicas são distintos conforme sua ação e se há diferenças de respostas entre o sexo masculino e feminino. O que se tem sugerido é que a concentração sérica de lipídeos (principalmente HDL), o nível de triglicérides, o índice de massa corpórea e a pressão sanguínea medeiem os efeitos do álcool sobre o risco de desenvolvimento dessas doenças, os quais parecem atuar de maneiras distintas
Considerando-se isso, o objetivo do estudo consistiu na observação da relação transversal (isto é, no momento da avaliação) e longitudinal (ao longo do tempo) entre o uso moderado de álcool e o nível sérico de lipídeos (total e de HDL), pressão sanguínea e índice de massa corpórea, investigando-se a interferência do estilo de vida (atividade física, dieta e uso de tabaco), gênero e a influência do tipo de bebida alcoólica sobre esses achados.
O presente estudo fez parte de uma pesquisa prospectiva, iniciada em 1977, destinada à avaliação do estilo de vida, saúde e características psicológicas de 600 adolescentes saudáveis de 13 anos. Destes, 317 (143 homens e 174 mulheres) foram novamente abordados nos anos de 1996/1997 e 2000, quando tinham, respectivamente, 32,4 e 36,1 anos de idade. Os participantes foram questionados a respeito do uso diário, semanal e mensal de bebidas alcoólicas, vigente no mês anterior à entrevista. A ingestão calórica total e de colesterol, o nível de atividade física e o uso de tabaco foram também avaliados. O nível de triglicérides (TG), colesterol total (TC), HDL, pressão sistólica (SBP), pressão diastólica (DBP), peso corporal, soma da espessura de 4 camadas de pele (da região do bíceps, tríceps, subescapular e supra-ilíaca)(S4S) e a circunferência da cintura foram as variáveis medidas e acompanhadas durante o follow-up.
Conforme os autores, ao longo do estudo, tanto entre homens quanto mulheres, houve aumento semanal do uso de álcool. Em termos diários, o consumo aumentou, em média, 1 dose de álcool (10g), com relação dose-resposta positiva entre o consumo e o nível sérico de HDL, ou seja, quanto maior o uso de álcool, maior o nível sérico de HDL (até certo ponto, onde ocorre a inversão da relação), resultado encontrada tanto na abordagem transversal quanto na longitudinal. Como o efeito não sofreu interferência das variáveis que pudessem gerar um viés de interpretação (uso de tabaco, atividade física e dieta), sugere-se que o uso moderado de álcool tenha efeito cardioprotetor, mediado exclusivamente pelos níveis séricos de HDL. O efeito tampouco sofreu a interferência do sexo do participante e do tipo de bebida alcoólica consumida.
Em contraposição, o uso de álcool não interferiu nas medidas de TG, SBP e DBP e manteve relação inversa com a circunferência da cintura durante a abordagem longitudinal. Quanto ao nível de triglicérides (TG), os resultados alcançados são inconsistentes, não permitindo chegar a uma conclusão. Já a ausência de relação com a pressão sanguínea talvez se deva ao fato de que o uso médio de álcool, entre os participantes, estivesse abaixo dos 30g diários, limite acima do qual a relação começa a ser percebida.
Os resultados apontam à necessidade de realização de mais estudos longitudinais, a fim de compreender os efeitos do álcool entre pacientes com mais comorbidades e maior risco cardiovascular, assim como entre pacientes mais velhos, uma vez que esse estudo focou em indivíduos na terceira década de vida.
Opinião do revisor: “Toda orientação quanto ao uso de álcool deve ser realizada em bases individuais, avaliando com zelo o perfil psicológico, riscos de dependência, histórico familiar de alcoolismo e existência de comorbidades. Até o momento nos posicionamos contrário à atitude médica de incentivar o início de ingestão alcoólica ou estimular seu aumento para otimizar resultados favoráveis de lípides”.