Estimativas da eficácia da Lei nº 11.705, popularmente conhecida como “lei seca”, foram realizadas considerando a quantidade de motoristas abordados pela fiscalização policial ou o número de vítimas de acidentes de trânsito atendidas em salas de emergência. No entanto, há poucas pesquisas com embasamento científico que mostram de maneira rigorosa e imparcial o impacto dessa lei, que entrou em vigor em junho de 2008.
Antes, os condutores que apresentavam alcoolemia (concentração de álcool no sangue) acima de 0,06 g/dl eram punidos com sanções administrativas e criminais. Porém, estudos apontam que apenas 42,3% dos acidentes de trânsito ocorrem por condutores que apresentaram alcoolemia acima desta concentração, o que levou à diminuição do limite para 0,02 g/dl. Desde então, o condutor que apresenta 0,02 a 0,06 g/dl de álcool no sangue é punido com medidas administrativas (multa e suspensão temporária da carteira de motorista), e o que apresenta concentrações acima disso é punido criminalmente (multa, suspensão da carteira de motorista e prisão de 6 a 36 meses).
Utilizando uma técnica estatística chamada “análise por série temporal”, pesquisadores do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) avaliaram acidentes de trânsito ocorridos na cidade e no Estado de São Paulo, entre janeiro de 2001 e junho de 2010. Tal análise minimiza erros de interpretação causados por fatores externos, como por exemplo, a sazonalidade dos acidentes de trânsito, mais frequentes em períodos de festas e feriados.
O estudo avaliou 1.471.087 casos não fatais e 51.561 casos fatais (acidentes seguidos de morte) em todos os 645 municípios do Estado de São Paulo. Os dados foram coletados pelo Serviço de Segurança Pública do Estado de São Paulo. No que diz respeito às vítimas fatais, após a lei seca houve uma redução de 16% na capital e de 7,2% nos demais municípios. Já em relação aos acidentes com vítimas não fatais, houve uma redução de 2,3% na capital e 1,8% no restante do Estado.
Deste modo, nota-se que a nova lei foi mais efetiva em reduzir o número de mortes do que o de feridos em acidentes de trânsito. Segundo os autores, este dado sugere que houve um maior impacto nos indivíduos que apresentam um padrão de uso mais pesado e que, consequentemente, provocam acidentes mais graves. É interessante notar que as maiores reduções observadas na capital podem estar relacionadas à fiscalização policial mais reforçada do que nas demais cidades.
Apesar de o presente estudo não considerar se os acidentes de trânsito avaliados envolveram condutores sob efeito do álcool, já que a coleta sistemática desse tipo de informação ainda é escassa em nosso país, ele traz conclusões importantes. Para os pesquisadores, uma vez que o poder aquisitivo dos brasileiros e a frota de automóveis aumentaram consideravelmente entre 2001 e 2010, a redução dos acidentes pela nova lei é mais do que satisfatória. Porém, ainda há problemas na aplicação da mesma, como por exemplo, a agressividade e a recusa dos condutores em se submeter ao teste do bafômetro.
Estudos como este auxiliam na criação de novas medidas para combater os acidentes de trânsito relacionados ao consumo de álcool. As políticas públicas devem ser guiadas por princípios científicos imparciais. É necessário um olhar direcionado ao usuário a fim de conscientizá-lo de que a bebida alcoólica até pode ser consumida; mas de modo que não coloque em risco a integridade física de outras pessoas.
NOVA LEI SECA (13.546/2017)
Em dezembro de 2012 foi sancionada a Lei nº 12.760, que reforça a popularmente conhecida “Lei Seca” (nº 11.705/2008). Trata-se de uma alteração no Código de Trânsito Brasileiro que, além de aumentar o valor da multa administrativa (de R$ 957,69 para R$ 1.915,38, podendo dobrar em caso de reincidência no período de 12 meses), amplia as possibilidades de provas da infração de dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer substância psicoativa, as quais foram disciplinadas pelo Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) na Resolução nº 432 de 23 de janeiro de 2013.
Em dezembro de 2017, foi sancionada a Lei nº 13.546, que altera a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, para dispor sobre crimes cometidos na direção de veículos automotores. A nova lei passa a vigorar a partir de 19 de abril de 2018 e apresenta três alterações no Código de Trânsito Brasileiro para condutores que matem ou lesem pessoas no trânsito após consumir bebidas alcoólicas ou outras drogas psicoativas. Em caso de homicídio culposo (sem intenção de matar), a relusão passa a ser de cinco a oito anos (antes era de dois a quatro anos). Já a pena para lesão corporal grave ou gravíssima passa a ser de dois a cinco anos (antes era de seis meses a dois anos de detenção). A lei também passa a punir com prisão pessoas que participem de campeonatos ilegais de manobras de veículos – antes apenas as corridas eram passíveis de punição. A punição segue a mesma - de seis meses a 3 anos de prisão. A fiança, porém, continua existindo. O Código de Processo Penal determina que acusados com possibilidades de pena maiores que quatro anos de reclusão só possam ser liberados sob fiança com uma autorização de um juiz.
A direção de veículos sob os efeitos do álcool ou de outra substância psicoativa poderá ser atestada por meio de teste de etilômetro (“bafômetro”), exame de sangue/laboratorial, exame clínico, ou constatação pela autoridade de trânsito de conjunto de sinais que indiquem alteração de capacidade psicomotora*. Além disso, poderão ser utilizados prova testemunhal, imagem, vídeo ou quaisquer outras formas de prova admitidas em direito.
A infração administrativa ocorre caso o condutor apresente qualquer concentração de álcool por litro de sangue, medição igual ou superior a 0,05 mg de álcool por litro de ar alveolar expirado ou sinais de alteração de capacidade psicomotora. A penalidade consiste em multa, suspensão do direito de dirigir por 12 meses, recolhimento da carteira de motorista e retenção do veículo.
O crime é configurado nos casos em que o motorista apresenta concentração igual ou superior a 0,6 g de álcool por litro de sangue, medição igual ou superior a 0,34 mg de álcool por litro de ar alveolar expirado, ou sinais de alteração de capacidade psicomotora. Nestes casos, o condutor fica sujeito à detenção de 6 meses a 3 anos, multa e suspensão ou proibição de se obter carteira de motorista. O valor da multa administrativa passou de R$1.915,40 para R$2.934,70, em novembro de 2016 (Lei Federal 13.281/2016).
*Em relação à capacidade psicomotora, um conjunto de sinais deverá ser avaliado pelas autoridades de trânsito: a) aparência: sonolência, vermelhidão nos olhos, vômito, soluços, desordem nas vestes e odor de álcool no hálito; b) atitude: agressividade, arrogância, exaltação, ironia, falante e dispersão; c) orientação: se o indivíduo sabe onde está, data e hora; d) memória: se sabe seu endereço e lembra-se dos atos cometidos; e) capacidade motora e verbal: dificuldade no equilíbrio e fala alterada.
*Em relação à capacidade psicomotora, um conjunto de sinais deverá ser avaliado pelas autoridades de trânsito: a) aparência: sonolência, vermelhidão nos olhos, vômito, soluços, desordem nas vestes e odor de álcool no hálito; b) atitude: agressividade, arrogância, exaltação, ironia, falante e dispersão; c) orientação: se o indivíduo sabe onde está, data e hora; d) memória: se sabe seu endereço e lembra-se dos atos cometidos; e) capacidade motora e verbal: dificuldade no equilíbrio e fala alterada.