Você sabia que...
- A bebida alcoólica surgiu ao acaso durante o período Neolítico na pré-história1,2?
- A regulamentação do comércio de vinho passou a existir de forma mais consistente a partir da Idade Média3,4?
- As mulheres russas proletárias no início do século XX colocavam bebida destilada nas chupetas para acalmar seus filhos5?
- Na Inglaterra do século XVIII o gim era conhecido como a bebida de preferência das mulheres6?
- Apesar do abuso de álcool ter sido sempre criticado durante a história humana, o conceito de dependência alcoólica só foi surgir no final do século XVIII e início do século XIX7?
Quando tudo começou...
Acredita-se que a bebida alcoólica teve origem na Pré-História, mais precisamente durante o período Neolítico, quando houve a aparição da agricultura e a invenção da cerâmica. A partir de um processo de fermentação natural ocorrido há aproximadamente 10.000 anos, o ser humano passou a consumir e a atribuir diferentes significados ao uso do álcool. Os celtas, gregos, romanos, egípcios e babilônios registraram de alguma forma o consumo e a produção de bebidas alcoólicas1,2.
A Embriaguez de Noé
Em uma passagem do Antigo Testamento da Bíblia (Gênesis 9.21), Noé, após o dilúvio, plantou vinha e fez o vinho. Fez uso da bebida a ponto de se embriagar. Reza a bíblia que Noé gritou, tirou a roupa e desmaiou. Momentos depois, seu filho Cam o encontrou "tendo à mostra as suas vergonhas". Foi o primeiro relato que se tem conhecimento de um caso de embriaguez. Michelangelo, famoso pintor renascentista (1475-1564), se inspirou nesse episódio para pintar um belíssimo afresco, com esse nome, no teto da Capela Sistina, no Vaticano. Nota-se, assim, que não apenas o uso de álcool, mas também a embriaguez, estiveram presentes entre a humanidade desde seus primórdios.
O álcool através da história
Grécia e Roma
O solo e o clima na Grécia e em Roma eram especialmente ricos para o cultivo da uva e produção do vinho. Os gregos e romanos também conheceram a fermentação do mel e da cevada, mas o vinho era a bebida mais difundida nos dois impérios tendo importância social, religiosa e medicamentosa1,8.
No período da Grécia Antiga o dramaturgo grego Eurípedes (484 a.C.-406 a.C.) menciona nas Bacantes duas divindades de primeira grandeza para os humanos: Deméter, a deusa da agricultura que fornece os alimentos sólidos para nutrir os humanos, e Dionísio, o Deus do vinho e da festa (Baco para os Romanos). Apesar do vinho participar ativamente das celebrações sociais e religiosas greco-romanas, o abuso de álcool e a embriaguez alcoólica já eram severamente censurados pelos dois povos. 1
Egito Antigo
Os egípcios deixaram documentado nos papiros as etapas de fabricação, produção e comercialização da cerveja e do vinho. Eles também acreditavam que as bebidas fermentadas eliminavam os germes e parasitas e deveriam ser usadas como medicamentos, especialmente na luta contra os parasitas provenientes das águas do Nilo.1,2
Idade Média
A comercialização do vinho e da cerveja cresce durante este período, assim como sua regulamentação. A intoxicação alcoólica (bebedeira) deixa de ser apenas condenada pela igreja e passa a ser considerada um pecado por esta instituição.4
Idade Moderna
Durante a Renascença passa a haver a fiscalização dos cabarés e tabernas, sendo estipulados horários de funcionamento destes locais. Os cabarés e tabernas eram considerados locais onde as pessoas podiam se manifestar livremente e o uso de álcool participa dos debates políticos que mais tarde vão desencadear na Revolução Francesa.4
Idade Contemporânea
O fim do século 18 e o início da Revolução Industrial é acompanhado de mudanças demográficas e de comportamentos sociais na Europa. É durante este período que o uso excessivo de bebida passa a ser visto por alguns como uma doença ou desordem.7 Ainda no início e na metade do século 19 alguns estudiosos passam a tecer considerações sobre as diferenças entre as bebidas destiladas e as bebidas fermentadas, em especial o vinho. Com efeito, não encontrando germes maléficos no vinho, o cientista francês Louis Pasteur declara, em 1865, que “esta é a mais higiênica das bebidas”.9
Durante o século 20, países como a França passaram a estabelecer a maioridade de 18 anos para o consumo de álcool, e em janeiro de 1920, os Estados Unidos decretaram a Lei Seca, que teve duração de quase 12 anos. A Lei Seca proibiu a fabricação, venda, troca, transporte, importação, exportação, distribuição, posse e consumo de bebida alcoólica e foi considerada por muitos um desastre para a saúde pública e economia americana, por ter gerado um mercado ilegal de bebidas alcoólicas, e consequentemente, aumentado a violência e a criminalidade no país.11
Foi no ano de 1952, com a primeira edição do DSM-I (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), que o alcoolismo passou a ser tratado como doença.7,10
No ano de 1967, o conceito de doença do alcoolismo foi incorporado pela Organização Mundial de Saúde à Classificação Internacional das Doenças (CID-8), a partir da 8ª Conferência Mundial de Saúde12,13. No CID-8, os problemas relacionados ao uso de álcool foram inseridos dentro de uma categoria mais ampla de transtornos de personalidade e de neuroses. Esses problemas foram divididos em três categorias: dependência, episódios de beber excessivo (abuso) e beber excessivo habitual. A dependência de álcool foi caracterizada pelo uso compulsivo de bebidas alcoólicas e pela manifestação de sintomas de abstinência após a cessação do uso de álcool14.
Nos tempos atuais, a partir de janeiro de 2022, entrou em vigor a CID-11, que traz importantes atualizações nas guias gerais do documento, e algumas específicas aos transtornos relacionados ao uso de álcool15, que são:
- Maior especificação de diferentes padrões de consumo nocivo de álcool, que podem ser contínuos, episódicos e recorrentes;
- Nova subcategoria diagnóstica para episódios únicos de consumo nocivo;
- A introdução de consumo nocivo de álcool como um fator de risco para a vida;
Além de outras minúcias mais técnicas, referentes à categorização de certos transtornos, como os transtornos neurocognitivos relacionados ao uso de álcool15.