Durante as viagens aéreas somos submetidos a condições atmosféricas que por si só podem influenciar o organismo humano. À medida que aumenta a altitude, há uma redução na pressão atmosférica, determinando uma menor pressão parcial de oxigênio (O2) e gerando a chamada hipóxia, uma deficiência de oxigênio nos tecidos corporais suficiente para causar impedimento da função fisiológica.
Existem quatro categorias fisiológicas de hipóxia; dentre elas, vale destacar a hipóxia hipóxica (de altitude), que resulta de uma troca gasosa inadequada na membrana capilar-alveolar e representa a causa mais comum de hipóxia encontrada na altitude, podendo tornar-se aparente acima de 10.000 pés (zona de deficiência fisiológica).
Dentre as principais características da hipóxia, destaca-se sua ação no Sistema Nervoso Central e, mais especificamente, na alteração da capacidade de julgamento. Desta forma, evidenciam-se perturbações das percepções sensoriais, sensibilidade tátil reduzida, audição afetada, dificuldade de discernimento, raciocínio e memória afetados. Pode, inclusive, de modo muito semelhante ao que ocorre no uso de álcool, levar à euforia, depressão e perda de coordenação motora.
Diferentes fatores influenciam a susceptibilidade individual à hipóxia, como o tabagismo, ingestão de álcool, falta de atividade física, exposição a altas temperaturas, dentre outros fatores. Quando ela é resultante de ingestão de álcool ou outras substâncias psicoativas, denomina-se hipóxia histotóxica, caracterizada pela incapacidade dos tecidos corporais em utilizar o oxigênio disponível.
Diversos estudos indicam que o álcool pode interagir adversamente e potencializar os efeitos estressores observados no organismo em voos aéreos/altitude, como reduzir a saturação de oxigênio da hemoglobina durante a hipóxia, por exemplo. Ainda, o álcool também é um depressor do Sistema Nervoso Central e age diretamente em diversos órgãos, tais como o fígado, o coração, vasos e na parede do estômago. Em pequenas quantidades promove uma desinibição, mas com o aumento desta concentração o indivíduo passa a apresentar uma diminuição da resposta aos estímulos, fala pastosa, dificuldade à deambulação entre outros (tabela 1) – muito semelhante aos efeitos da hipóxia.
Outra característica importante é que o ar em grandes altitudes é muito seco e, ao passar pelas turbinas, é aquecido em altas temperaturas, o que pode causar desconforto por ressecamento de mucosas, sede, irritação ocular e nasal, entre outros – e, como o álcool é diurético e por si só pode causar desidratação, esse efeito pode ser potencializado.
Em suma, apesar de alguns estudos não identificarem um efeito sinérgico do álcool e da altitude até os 12 mil pés, há pesquisas que apontam que o álcool prejudica significativamente o desempenho e da mesma maneira, a altitude. Quando estes dois fatores são somados seus efeitos podem ficar mais evidentes, ampliando a impressão de que as consequências do uso de bebidas alcoólicas estão exacerbadas em situação de voo; porém, não há um consenso sobre esse possível efeito sinérgico, também devendo ser considerados outros fatores que podem influenciar o desempenho e interagir com o álcool, como a fadiga.
Tabela 1. Níveis de concentração de álcool no sangue (CAS) e os sintomas clínicos correspondentes
CAS (g/100ml) | Efeitos sobre o corpo |
0,01-0,05 | Aumento do ritmo cardíaco e respiratório |
Diminuição das funções de vários centros nervosos | |
Comportamento incoerente ao executar tarefas | |
Diminuição da capacidade de discernimento e perda da inibição | |
Leve sensação de euforia, relaxamento e prazer | |
0,06-0,10 | Entorpecimento fisiológico de quase todos os sistemas |
Diminuição da atenção e da vigilância, reflexos mais lentos, dificuldade de coordenação e redução da força muscular | |
Redução da capacidade de tomar decisões racionais ou de discernimento | |
Sensação crescente de ansiedade e depressão | |
Diminuição da paciência | |
0,10-0,15 | Reflexos consideravelmente mais lentos |
Problemas de equilíbrio e de movimento | |
Alteração de algumas funções visuais | |
Fala arrastada | |
Vômito, sobretudo se esta alcoolemia for atingida rapidamente | |
0,16-0,29 | Transtornos graves dos sentidos, inclusive consciência reduzida dos estímulos externos |
Alterações graves da coordenação motora, com tendência a cambalear e a cair frequentemente | |
0,30-0,39 | Letargia profunda |
Perda da consciência | |
Estado de sedação comparável ao de uma anestesia cirúrgica | |
Morte (em muitos casos) | |
A partir de 0,40 | Inconsciência |
Parada respiratória | |
Morte, em geral provocada por insuficiência respiratória |