Atualmente já se sabe que o álcool é uma das principais causas de acidentes de trânsito (ATT – acidentes de transporte terrestre), e estima-se que a cada dose de álcool consumida o risco de envolvimento em ATT aumenta em 13% (1).
A maior prevalência de mortes decorrentes de ATT no mundo (mais de 90%) ocorre em países de baixa e média renda, como o Brasil, cuja taxa de mortalidade é de aproximadamente 20 óbitos/100 mil habitantes (2). A cidade de São Paulo, com mais de 12 milhões de habitantes, reduziu a taxa de mortalidade por ATT de 12,5 em 2009 para 6,9 óbitos por 100 mil habitantes em 2018 (4). Apesar dessa redução, a prevalência do uso de álcool e outras drogas ainda é alta em vítimas fatais de ATT em São Paulo (5).
- Perfis das vítimas de acidentes associados ao uso de álcool e outras substâncias
Uma pesquisa recente buscou analisar e atualizar os dados de prevalência do uso de álcool e drogas ilícitas em vítimas de lesões traumáticas por ATT, violência interpessoal e quedas, internados no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Os dados da pesquisa foram coletados entre julho de 2018 e junho de 2019 (6).
De um total de 909 pacientes, somente 376 (41%) foram incluídos no estudo. Amostras de sangue foram coletadas e analisadas para a presença de álcool e drogas ilícitas. A grande maioria dos pacientes era do sexo masculino, com média de idade de 36 anos. As lesões por queda tinham idade maior (42 anos) e a violência interpessoal a menor (31 anos). Na amostra total, 209 (56%) eram vítimas de ATT, seguido por quedas (32%) e lesões por violência (13%). Mais da metade das vítimas de ATT eram motoristas de veículos motorizados (113), sendo que 94 deles eram motociclistas. Nos países de baixa e média renda, o número de motociclistas acidentados é a maioria, dados diferentes dos países de alta renda. Os motociclistas constituem o maior grupo entre os óbitos por ATT na cidade de São Paulo (4). Por serem mais vulneráveis do que os condutores de automóveis, estão sob maior risco de lesões graves (7). Além dos motociclistas, os pedestres também são vulneráveis às lesões no trânsito, principalmente nos países de baixa e média renda (1). Passageiros, pedestres e ciclistas representaram 13%, 28% e 5% das vítimas de ATT, respectivamente no estudo atual.
- Uso de múltiplas substâncias
O álcool foi a substância psicoativa mais prevalente (23%), seguido por cocaína (12%) e maconha (5%). O uso de múltiplas substâncias foi detectado em 9% (N = 32) dos pacientes. O uso simultâneo de álcool e cocaína foi detectado em 7% (N = 26) e foi a combinação mais frequente. O Cocaetileno, composto formado a partir do uso conjunto de cocaína e álcool, esteve presente em 3,2% das amostras. Crack, anfetaminas e heroína não foram detectados em nenhuma das amostras. Embora a maconha seja a principal droga ilícita utilizada no Brasil, a prevalência de cocaína foi maior entre os pacientes incluídos. Esse dado já havia sido encontrado anteriormente em um estudo com vítimas fatais de ATT e violência em São Paulo (5).
A combinação de álcool e cocaína foi a mais frequente provavelmente pelo fato de a cocaína reduzir o efeito depressor do álcool e aumentar a euforia. O álcool, por sua vez, alivia alguns dos efeitos negativos causados pela cocaína (8).
- Considerações finais
Na cidade de São Paulo, a maior fiscalização da direção veicular sob a influência do álcool tem ajudado a reduzir o número de infrações. Contudo, os autores apontam que, no Brasil, a polícia ainda não está equipada para realizar a fiscalização do uso de drogas ilícitas em larga escala. Conhecer o impacto do uso de álcool e de outras substâncias psicoativas nas lesões traumáticas é importante para políticas de prevenção que desafoguem o sistema de saúde, problema visto em grande parte dos países de baixa e média renda.