O QUE É RESSACA?
A “ressaca” parece ser a maneira que nosso organismo tem de nos lembrar sobre os perigos do consumo excessivo de álcool, afinal, é o resultado da intoxicação aguda pela substância. Apesar de ser um dos assuntos mais procurados na internet, a ressaca ainda é um dos temas relacionados ao álcool que precisa ser mais estudado. Com o intuito de aumentar a consistência e a confiabilidade de dados nesta área, cientistas renomados fundaram o Alcohol Hangover Research Group (AHRG) em 2010.
Um dos avanços foi o consenso sobre a definição de ressaca: “a combinação de sintomas físicos e mentais, experimentada no dia seguinte a um único episódio de consumo excessivo, começando aquando a concentração de álcool no sangue (CAS) se aproxima de zero"1,2. Isso significa que os sintomas da ressaca iniciam-se cerca de 6 a 8 horas após o consumo, em média, e podem durar até 24 horas.
Ela é caracterizada por efeitos físicos e mentais adversos, com uma variedade de sintomas de “mal-estar”, sendo os mais comuns: dor de cabeça, náuseas, problemas de concentração, boca seca, tontura, desconforto gastrintestinal, cansaço, tremores, falta de apetite, sudorese, sonolência, ansiedade e irritabilidade.
A causa dos sintomas da ressaca é atribuída principalmente ao acetaldeído, principal produto da metabolização do álcool3,4. Como resultado, podem ocorrer diversas reações no corpo que irão compor o que se entende como ressaca, tais como:
- Desidratação, que causa sede, sensação de boca seca, e dores musculares decorrentes da perda de eletrólitos;
- Aumento da produção de suco gástrico que pode causar irritação gastrintestinal e resultar em dor abdominal, náusea e vômitos.
- Hipoglicemia induzida pelo álcool, que pode afetar o funcionamento cerebral, levando ao cansaço e mudanças de humor observados na ressaca.
- Alterações no padrão do sono, bem como na sua qualidade, levando à fadiga e alterações no ritmo circadiano.
O QUE INFLUENCIA SUA OCORRÊNCIA E GRAVIDADE?
Há uma variação muito grande na presença e intensidade dos sintomas da ressaca entre as pessoas, motivada por fatores como as características fisiológicas (estrutura física, sexo, vulnerabilidade genética, idade e condição de saúde), aspectos do beber (quantidade e frequência, qualidade da bebida e ingestão de água e alimentos) e contexto do consumo (beber em grupo ou em ambientes que estimulam o consumo).3
De todo modo, a quantidade de álcool ingerida está diretamente relacionada aos sintomas da ressaca. Pesquisa recente5 verificou um número significativo de participantes que relataram ressaca após a ingestão de baixas doses de álcool, e os autores sugerem que a ressaca poderia ocorrer após o consumo de qualquer pico de CAS, mas que é mais provável de ocorrer se o indivíduo beber substancialmente mais álcool do que costuma tomar em ocasiões que não resultam em ressaca.
A tabela a seguir traz uma correlação estimada entre CAS, número de doses consumidas e efeitos no organismo, considerando variáveis individuais (vulnerabilidade genética, peso, altura, metabolismo e sexo).
Existem várias hipóteses para explicar o aparecimento e a gravidade da ressaca. Além da quantidade de álcool consumida, outros fatores relacionados ao consumo propriamente dito (intervalo de tempo do consumo ou o tipo de bebida) podem influenciar o aparecimento dela. Estudo publicado em 2019 encontrou uma associação positiva e significativa entre a frequência e a gravidade da ressaca, sugerindo que sua severidade aumenta quando ela ocorre com mais frequência, e pode ser motivada pela sensibilização ou tolerância reversa a esse aspecto do consumo de álcool6.
O número de pessoas que relatam ter sofrido de ressaca é alto, com estudos apontando 78% de prevalência entre todos os tipos de bebedores7. Entre os bebedores pesados a incidência é ainda maior: 90% dos estudantes que declararam beber neste padrão (definido pelo estudo8 como o consumo de 5 ou mais doses em uma única ocasião) haviam sofrido ressaca.
PREZUÍZOS ASSOCIADOS À RESSACA
Os domínios tipicamente afetados na ressaca são o físico, o humor e o funcionamento cognitivo2,9, 10. Em um estudo que teve como objetivo identificar quais sintomas têm maior impacto nesses domínios, os resultados mostraram que os sintomas mais debilitantes foram: fadiga, sonolência, dor de cabeça e problemas de concentração.
Estudo feito para investigar a atenção, o funcionamento da memória e o humor durante a ressaca submeteu dois grupos – um durante a ressaca e outro que não consumiu álcool – a testes cognitivos, e encontrou uma diferença significativa no desempenho de ambos no teste. A atenção seletiva foi significativamente prejudicada durante a ressaca do álcool. Avaliações de humor revelaram que o grupo da ressaca relatou níveis significativamente mais altos de sonolência e falta de habilidade em comparação com o grupo controle 11.
Outra revisão, que teve como objetivo analisar os efeitos da ressaca no funcionamento cognitivo, revelou que memórias de curto e longo prazo, velocidade psicomotora e atenção sustentada são as funções mais afetadas no dia seguinte a um episódio de beber pesado. Esses prejuízos têm implicações para a performance intelectual e habilidades práticas como dirigir12. Isso acontece porque os resíduos da metabolização do álcool, presentes no sangue por um período maior do que o etanol em si (cerca de 6 a 20 horas, dependendo do número de doses ingerido), estão associados ao comprometimento de habilidades psicomotoras, o que pode interferir na destreza do motorista13.
Todos os prejuízos associados ao consumo abusivo de álcool e à ressaca sugerem que a melhor alternativa para a evitar é a abstenção ou consumo moderado e, em caso de excessos, aguardar o processo de metabolização do organismo.
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