Com o aumento da popularidade das cervejas sem álcool, surge o questionamento sobre qual o papel que elas têm no hábito de consumir álcool: elas servem como substitutas ou como porta de entrada para bebidas com maior teor alcoólico? Cervejas sem álcool são bebidas que, através de mudanças no processo de produção da cerveja, passam a ter nenhuma, ou quase nenhuma, quantidade de álcool. Em alguns lugares, como o Brasil, uma cerveja pode ser classificada como “sem álcool” se ela possuir um teor alcoólico menor do que 0,5%*. Embora o entendimento sobre o efeito das cervejas sem álcool no comportamento de beber seja ainda baixo, alguns estudos vêm trazendo indícios sobre como a população de consumidores pode utilizar este tipo de bebida. Pesquisas analisando cervejas sem álcool e cervejas “Low-Alcohol” (isto é, com menor teor alcoólico do que uma cerveja convencional) vem indicando um potencial de substituição de bebidas com maior teor por estas sem álcool ou com menor teor alcoólico (1–3). Estes dados, contudo, ainda são preliminares, e especialistas apontam que é necessário um maior corpo de evidências para que políticas públicas possam lançar mão de iniciativas que busquem estimular o consumo destes tipos de bebidas em pessoas que já bebem, como uma forma de redução de danos (4). Um estudo recente buscou analisar o comportamento de espanhóis no que se refere à compra de cerveja sem álcool (1). A análise de mais de 1700 lares que compraram cervejas sem álcool mostrou uma redução de 5.5% na compra de cervejas com álcool após a primeira compra das cervejas zero. Além disso, para mais de 330 lares que compraram uma marca de cerveja sem álcool – mas nunca compraram a mesma marca de cerveja com teor alcoólico – observou-se uma redução de 14% no consumo de álcool, devida majoritariamente pela redução na compra de vinho e bebidas destiladas. Um ponto importante acerca das cervejas sem álcool emana da preocupação de elas servirem como uma porta de entrada para aproximar pessoas abstêmias do consumo de álcool. Visando estudar essa associação, um estudo analisando dados de compra de mais de 64 mil lares britânicos observou que, para esta amostra, a associação não estava presente (3). Os lares que compraram cervejas sem álcool tinham menor probabilidade de comprar cervejas com álcool da mesma marca. Já os lares que haviam comprado cervejas com álcool, a introdução das sem álcool (ou com teor alcoólico menor) esteve associada a uma redução na compra das alcoólicas. O potencial de cervejas sem álcool de reduzir o impacto do consumo nocivo de álcool passa pelo perfil socioeconômico dos consumidores de tais tipos de bebidas. Se a substituição de bebidas alcoólicas por cervejas sem álcool ocorre apenas nas classes sociais mais ricas, o impacto na saúde pública é consideravelmente inferior frente à possibilidade de este consumo de bebidas sem álcool ocorrer por todas as classes sociais. Buscando analisar estas hipóteses, um estudo analisando dados de lares e indivíduos britânicos comparou os dados de compra e consumo de cervejas com baixo teor alcoólico ou sem álcool com o perfil social destes consumidores (2). Em termos gerais, observou-se que as cervejas sem álcool ou com baixo teor eram mais consumidas por pessoas que mais consumiam álcool, majoritariamente homens, jovens adultos e com alta renda e perfil social. Estes dados levaram os autores a concluir que a contribuição das cervejas sem álcool para a redução do consumo de álcool ainda é limitada e que o ideal seria atingir também outros perfis sociais de bebedores. De maneira geral, a literatura científica da área aponta que há potencial no uso de cervejas sem álcool como uma forma de redução do consumo total de álcool, mas são necessárias mais pesquisas para avaliar os efeitos e riscos (4). Estas considerações foram acolhidas pela OMS, que lançou um relatório breve em 2023 (5), apontando o impacto das cervejas com baixo teor alcoólico ou sem álcool na saúde pública. Neste relatório, a OMS reitera que as pesquisas na área são ainda inconclusivas, e que estas bebidas não devem ainda ser consideradas como focos para políticas públicas. Por outro lado, a OMS incentiva a exploração de estratégias individuais no sentido de substituir bebidas de maior teor alcoólico por bebidas sem (ou com baixo) teor alcóolico. Por ser um mercado emergente que vem avançando tanto por um aumento da percepção de sabor das cervejas sem álcool quanto por uma maior busca por estilos de vida saudáveis (6), mais pesquisas na área são necessárias. Deve-se salientar que, pelo fato de não se poder assegurar que as cervejas sem álcool não tenham nenhum traço de álcool, estas bebidas não são recomendáveis para mulheres grávidas e tampouco para pessoas que não conseguem controlar o próprio consumo. De fato, muito embora não exista consenso no tema, é recomendável que muitas das situações “Álcool Zero” se apliquem também para o caso de cervejas sem álcool. * DECRETO Nº 6.871: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6871.htm