As diferenças no consumo de bebidas alcoólicas são um reflexo da grande variabilidade do estilo de vida, comportamento e normas sociais que influenciam o beber. A hereditariedade para o comportamento de beber, bem como para o abuso e a dependência, é complexa e envolve múltiplos genes, cada um contribuindo para aspectos distintos.
A base genética relacionada a este comportamento, em humanos, tem sido estudada nos últimos anos. Estudos com gêmeos foram os primeiros a mostrar o papel da genética nos transtornos por uso de álcool1. Uma pesquisa com gêmeos australianos, por exemplo, encontrou uma estimativa de hereditariedade de 64%; outro estudo com gêmeos relatou que estimativas de hereditariedade podem variar de 40% a 70%. Por fim, uma meta-análise de estudos com gêmeos e adoção dos últimos 35 anos mostrou que cerca de 50% dos transtornos por uso de álcool são hereditários. Embora os fatores genéticos tenham um papel importante no desenvolvimento dos transtornos por uso de álcool, dados indicam que outros fatores de risco como ambientais e interações gene-ambiente também contribuem significativamente para o surgimento e persistência destes transtornos.
Recentemente, a revista Nature publicou um dos maiores estudos sobre o assunto2. A pesquisa encontrou mais de 800 variações genéticas ligadas à quantidade de álcool consumida por semana.
O estudo, que também encontrou mais de 2.400 associações genéticas ligadas ao consumo de tabaco, analisou os genomas de mais de três milhões de pessoas que participaram de 60 estudos nos Estados Unidos, Austrália e Europa. A maioria dos participantes (80%) tinha descendência europeia, sendo que 20% eram descendentes de africanos, norte-americanos e sul-americanos e pessoas do leste asiático.
Uma das novas associações encontradas, por exemplo, foi entre um gene chamado ECE2, que está envolvido no desenvolvimento do córtex cerebral bem como no processamento de vários peptídeos neuroendócrinos, e que também pode ter um papel no processamento de β-amilóide, proteína ligada a doença de Alzheimer. Esse gene também está envolvido no processamento da neurotensina, molécula que regula a sinalização da dopamina, neurotransmissor envolvido no sistema de recompensa e que pode causar a dependência.
O consumo excessivo de álcool e os transtornos relacionados ao seu uso são claramente grandes problemas de saúde pública. Embora o consumo de álcool seja um hábito milenar e multicultural, beber de forma abusiva pode oferecer uma série de perigos à saúde. O álcool é responsável por 5,3% das mortes no mundo e 5,1% da carga global de doenças3. Contudo, a morbimortalidade associada ao uso de álcool é causada não só pela dependência, mas, em grande parte, pela quantidade e padrão de uso.
Assim, compreender tanto os fatores biológicos quanto os fatores sociais, pessoais e ambientais que influenciam nestes transtornos é essencial para desenvolver políticas públicas de prevenção bem como possibilitar tratamentos mais eficientes para cada indivíduo.