É senso comum que o consumo excessivo de álcool pode atrapalhar relacionamentos interpessoais. Por outro lado, temos a interação oposta: estudos mostram que pessoas que estão em um relacionamento amoroso, como namoro, noivado ou casamento, são menos propensas a fazer uso nocivo de álcool e outras drogas.
Um estudo recente analisou as diferenças entre “estado civil” e sua relação com o consumo de álcool1, em um grupo de 620 pessoas entre 18 e 24 anos, analisadas mensalmente durante o período de um ano. Elas foram divididas em diversas categorias de relacionamentos afetivos, desde “solteiro, sem estar saindo com alguém”, passando por “relacionamento estável” e até “término recente”. Solteiros e pessoas em um relacionamento estável relatavam menor grau de consumo de álcool, ao passo que os grupos que relatavam estar “solteiro, mas saindo com outras pessoas”, “solteiro, com término recente” e “término recente de namoro e início de outro” relataram frequência de consumo abusivo (BPE, beber pesado episódico) de 2 a 4 vezes maior, comparativamente. A conclusão geral dos autores é que a estabilidade do estado civil poderia contribuir para menores graus de consumo de álcool, uma vez que pessoas solteiras (sem estar saindo com alguém) e pessoas em relacionamento estável reportaram menor quantidade de ingestão de álcool, enquanto aquelas que relataram inícios e términos de relacionamento no período de um ano costumavam beber mais.
Outro aspecto importante sobre relacionamentos amorosos são os “comportamentos de saúde”, definidos como ações que trazem benefícios para o bem-estar da pessoa, por exemplo, fazer exercícios físicos, ter uma alimentação saudável e não engajar no consumo abusivo de álcool. Alguns estudos mostram que há uma certa “transmissão” desses comportamentos entre as pessoas que se relacionam, e isto pode ser um dos fatores que trazem melhora na qualidade de vida e redução do uso nocivo de álcool de alguns indivíduos2. A relação, contudo, é de mão dupla, pois comportamentos deletérios à saúde também podem ser reforçados entre o casal e pessoas que estão em um relacionamento com alguém que pratica BPE estão mais propensas a beber no mesmo padrão nocivo3,4.
Nesse cenário, há limitações que precisam ser consideradas. A primeira delas é que “correlação não implica causalidade” e, nesse sentido, as pesquisas que mostram o fator de proteção associado aos relacionamentos não devem ser utilizadas para pressionar alguém a entrar em um compromisso estável. Isso é relevante, principalmente, no caso das mulheres, já que vários estudos mostram o impacto da visão negativa e equivocada sobre a mulher solteira5,6, enquanto que, por outro lado, alguns dados sugerem que as solteiras podem ter índices de qualidade de vida iguais ou superiores aos das casadas7. Outro fator importante a ser considerado é o quão importante é o fator “amoroso” do relacionamento no que se refere aos fatores protetivos. Esse é um aspecto ainda pouco explorado na literatura científica, e existe a possibilidade de que pessoas em um relacionamento estável e não amoroso, amigas e amigos que moram juntos, por exemplo, também estejam propensas às mesmas associações observadas em relacionamentos amorosos, tanto em termos de menor taxa de consumo nocivo de álcool quanto de comportamentos de saúde.