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Consumo concomitante de álcool e cocaína: diferenças nos padrões de uso e problemas relacionados entre usuários de crack e usuários de cocaína em pó

01 Janeiro 2006

Estudo europeu aponta que a frequência do consumo de álcool foi maior entre usuários de cocaína em pó do que entre os usuários de crack, no mês anterior a pesquisa.

A cocaína é uma substância encontrada naturalmente nas folhas da planta Erythroxylum coca. Mesmo utilizada por civilizações pré-incaicas, desde o séc. X a.C., somente em meados do século XIX o alcalóide “cocaína” foi isolado na Alemanha e no final do mesmo século, a cocaína era amplamente utilizada por suas propriedades analgésicas. Entre os anos de 1868 e 1910 já se observava o consumo simultâneo de cocaína e álcool, a exemplo disso, houve intensa comercialização do Vinho Mariani, uma mistura de vinho com extratos de folhas de coca.

Atualmente, o uso concomitante de álcool ocorre em aproximadamente 50% dos usuários de cocaína tanto para potenciar os efeitos positivos dessa droga quanto para tentar mitigar seus efeitos negativos. No entanto, como resultado dessa mistura, surge um novo composto, o cocaetileno, cujos efeitos fisiológicos são muito semelhantes aos da cocaína (amplificação da euforia), mas com maior toxicidade cardíaca e risco de morte.

As formas mais utilizadas de cocaína são o cloridrato de cocaína (cocaína em pó) e o crack, administrados por diferentes vias. O primeiro é geralmente aspirado (intranasal) ou injetado (intravenoso), enquanto o segundo é tipicamente (mas não invariavelmente) fumado. Ambos estão associados com diferentes efeitos adversos e outros problemas.

Considerando as distinções entre consumo de cocaína em pó e de crack, e a frequência do uso simultâneo dessa substância com o álcool, um estudo investigou as diferenças nos padrões de uso e problemas relacionados entre quem consome álcool juntamente com cocaína em pó versus os que fazem essa combinação com o crack.

Neste estudo, usuários que relataram uso simultâneo de álcool e cocaína foram recrutados em clínicas e comunidades londrinas. O recrutamento de pessoas na comunidade foi por meio de uma técnica de amostragem não-probabilística chamada “bola de neve”, na qual participantes do estudo ajudam a recrutar mais indivíduos convidando seus conhecidos. Os dados foram coletados por meio de entrevistas face-a-face a partir da aplicação de questionário.

No total foram recrutados 110 participantes, sendo que 69 relataram o uso de cocaína em pó, 33 de crack e 8 indivíduos relataram o uso de ambas. Como o objetivo do estudo foi comparar as características de cada grupo, aqueles que relataram usar as duas formas de cocaína foram excluídos das análises subsequentes. Assim, a amostra do estudo (n = 102) foi composta por 53 homens (52%) e 49 mulheres (48%), com média de idade de 30,3 anos. Os usuários de crack apresentavam escolaridade inferior (medida em anos completos de estudo) e trabalharam menos dias em um emprego formal do que os usuários de cocaína em pó, durante o mês anterior à entrevista.

A frequência do consumo de álcool e as quantidades máximas de álcool ingeridas por ocasião de beber pesado*, no mês anterior à pesquisa, foram significativamente maiores entre usuários de cocaína em pó do que entre os de crack (20 dias e 23 doses de etanol; 15 dias e 15 doses, respectivamente).

Outro dado é que os usuários de cocaína em pó relatam o comportamento de beber pesado mais frequentemente e durante períodos prolongados do que usuários de crack.

Quase todos os usuários de cocaína em pó (99%) relataram ao menos um episódio de beber pesado, enquanto a proporção entre os usuários de crack foi de 48%. Quase metade (46%) dos usuários de cocaína em pó relatou beber pesado pelo menos 1 vez por semana, durante o mês anterior, em comparação com 13% dos usuários de crack. Quanto ao período de tempo do consumo de álcool, usuários de cocaína em pó relataram que o último episódio de beber pesado durou mais de 12h (42%) e 24h (16%) em comparação com os usuários de crack (10% e 1%, respectivamente). Quando comparados aos usuários de cocaína, os usuários de crack relataram problemas mais sérios associados ao uso dessa substância e outras drogas ilícitas, problemas de saúde física e psicológica e criminalidade. Eles relataram uso mais frequente de cocaína e maiores níveis de dependência dessa substância.

Beber pesado frequente representa um risco grave para a saúde de muitos usuários de cocaína. As diferenças nos padrões de consumo de álcool confirmam a importância distinguir os usuários de cocaína em pó dos usuários de crack.

Poucos foram os usuários da amostra que receberam tratamento para problemas devido ao uso de cocaína ou álcool. Ademais, os autores do estudo ainda alertam que, como é frequente a direção de automóveis sob a influência de álcool ou drogas e os riscos de acidentes de tráfego aumentam bastante, os profissionais de saúde que trabalham no atendimento primário ou na emergência precisam de treinamento para detectar, avaliar e tratar adequadamente pacientes que fazem consumo simultâneo de álcool e cocaína.

*O artigo não relata a definição de “episódio de beber pesado” utilizada no estudo. Entretanto, geralmente é definido em termos do consumo excessivo de um certo volume de álcool em um curto período de tempo. O National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism define beber pesado episódico como o consumo de 5 ou mais doses alcoólicas por homens ou de 4 ou mais doses por mulheres, dentro de um período de 2 horas, sendo que uma dose-padrão de bebida alcoólica (285 ml de cerveja, 120 ml de vinho ou 30 ml de destilado) contém, aproximadamente, 8 a 13 g de álcool puro.

Additional Info

  • Autor(es): Gossop M, Manning V, Ridge G
  • Fator de impacto da revista: 2,599 (JCR 2012)
  • D.O.I.: 10.1093/alcalc/agh260
  • Título(s) original(is): Concurrent use of alcohol and cocaine: differences in patterns of use and problems among users of crack cocaine and cocaine powder
  • Fonte:

    Alcohol & Alcoholism Vol. 41, No. 2, pp. 121?125, 2006

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