A Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou em 12/05/2014 o Relatório Global sobre Álcool e Saúde, que traz informações sobre o consumo de álcool no mundo e avalia os avanços realizados nas políticas do álcool desde a publicação da Estratégia Global para Redução do Uso Nocivo de Álcool, em 2010. Seguem abaixo as principais informações deste documento, com destaque especial para o Brasil.
Consumo per capita
O álcool é consumido praticamente em todo o mundo. Globalmente, estima-se que indivíduos com idade de 15 anos ou mais consumiram em torno de 6,2 litros de álcool puro em 2010 (equivalente a cerca de 13,5g por dia).
No Brasil, o consumo total estimado é equivalente a 8,7L por pessoa, quantidade superior à média mundial. Estima-se que homens consumam 13,6L por ano, e as mulheres, 4,2L por ano. Quando são considerados apenas os indivíduos que consomem álcool, esta média sobe para 15,1L de álcool puro por pessoa (sendo mulheres: 8,9L e homens: 19,6L).
Fig 1. Estimativa do consumo per capita de álcool de acordo com país.
Embora o Brasil apresente um consumo elevado de álcool, verifica-se diminuição no consumo per capita de álcool puro no Brasil (legal e ilegal) entre 2005 (9,8L) e 2010 (8,7L).
Além disso, a qualidade das bebidas deve ser levada em consideração já que podem ter impacto na saúde e na mortalidade. Quando feitas em casa ou produzidas ilegalmente podem, por exemplo, ser contaminadas com metanol e outras substâncias tóxicas, como desinfetantes.
Um dado preocupante foi revelado pelo relatório, de que quase ¼ do álcool puro consumido no mundo é ilegal, e portanto, não regulamentado; em alguns países, chega a 50% (Sudoeste da Ásia e Região do Mediterrâneo, por exemplo). No Brasil, cerca de 1,5L do consumo per capita de álcool puro é produzido ilegalmente (aproximadamente 17% do consumo total).
As bebidas destiladas correpondem ao tipo de bebida mais consumido no mundo (50%), seguido da cerveja (35%) e do vinho (8%). Na Região das Américas a cerveja é o tipo de bebida mais consumido (55%), seguido dos destilados (32,6%) e do vinho (11,7%).
Padrão de consumo
A maior parte da população mundial é abstêmia ou não bebeu nos últimos 12 meses. Aproximadamente metade da população mundial (48%) não faz uso de álcool. No Brasil, cerca de 42% da população não ingeriu bebidas alcoólicas em 2010. Entre os brasileiros que nunca beberam, as mulheres são maioria (mulheres: 30,8%; homens: 12,4%), e também relataram não terem feito uso de álcool nos últimos 12 meses com mais frequência (mulheres: 22%; homens: 18%).
Além da quantidade consumida, o padrão de consumo utilizado ao longo do tempo interfere no risco para prejuízos. O Beber Pesado Episódico (BPE), padrão de uso que equivalente a 60 gramas ou mais (cerca de 5 doses* ou mais) de álcool puro em uma única ocasião ao menos uma vez no último mês, está associado a diversos problemas agudos, como acidentes e violência. Tal padrão foi constatado, no mundo, em 16% dos bebedores e no Brasil, em 22%, em 2010 (mulheres: 11%; homens: 30%).
Consequências do uso do álcool
O uso nocivo do álcool é um dos fatores de risco de maior impacto para a morbidade, mortalidade e incapacidades em todo o mundo, e parece estar relacionado a 3,3 milhões de mortes a cada ano. Desta forma, quase 6% de todas as mortes em todo o mundo são atribuídas total ou parcialmente ao álcool. No gráfico abaixo, é possível verificar as principais doenças e prejuízos associados ao álcool em diferentes níveis:
Gráfico 1. Doenças e prejuízos total ou parcialmente decorrentes do uso do álcool.
No Brasil, o álcool esteve associado a 63% e 60% dos índices de cirrose hepática e a 18% e 5% dos acidentes de trânsito entre homens e mulheres em 2012. Especificamente em relação aos transtornos relacionados ao uso do álcool, estima-se que 5,6% (mulheres: 3%; homens: 8%) dos brasileiros preenchem critérios para abuso ou dependência.
As consequências do uso de álcool também oneram a sociedade, de forma direta e indireta, potencializando os custos em hospitais e outros dispositivos do sistema de saúde, sistema judiciário, previdenciário, perda de produtividade do trabalho, absenteísmo, desemprego, entre outros. Ainda, em todo o mundo, nota-se que as faixas etárias mais jovens (20-49 anos) são as principais afetadas em relação a mortes associadas ao uso do álcool, traduzindo como uma maior perda de pessoas economicamente ativas.
Desenvolvimento Econômico
Um dos principais fatores sociais de vulnerabilidade associado ao consumo de álcool é o desenvolvimento econômico. Países mais desenvolvidos economicamente tendem ao consumo de álcool em níveis mais elevados, com maiores taxas do padrão de beber pesado episódico. Por outro lado, nota-se que países com menor poder aquisitivo estão propensos a maiores índices de mortalidade e carga global de doenças atribuídas ao álcool. Para prejuízos crônicos do consumo pesado do álcool os resultados são piores, possivelmente por outros fatores associados (ex: cirrose hepática, que pode estar relacionada, além do consumo de álcool, com hepatites virais, deficiências nutricionais e ineficaz prevenção e detecção precoce). Ainda, as consequências de beber e dirigir tendem a ser piores em países com pior desenvolvimento econômico por apresentarem estradas e veículos menos seguros.
Vale ressaltar que o Brasil mudou de posição econômica desde o relatório anterior. Em 2011, fazia parte da classe “rendimento médio inferior”, passando para “rendimento médio superior” no relatório do presente ano.
Ações para reduzir uso nocivo do álcool
A OMS estipulou alguns princípios básicos para o desenvolvimento e implantação de políticas do álcool em todos os níveis. Tais princípios refletem determinantes multifacetados dos efeitos nocivos do álcool e as ações devem ser trabalhadas em conjunto para a implementação de intervenções eficazes:
• As políticas públicas e intervenções devem ser orientadas e formuladas a partir dos interesses da saúde pública, com metas muito bem definidas e baseadas nas melhores evidências disponíveis;
• As políticas devem ser equitativas e sensíveis aos contextos nacionais, religiosos e culturais;
• Todas as partes envolvidas têm a responsabilidade de agir de forma a não prejudicar a implementação de políticas públicas e intervenções;
• Deve ser dada atenção e prioridade à saúde pública em relação aos interesses concorrentes e promovidas as abordagens que focam nessa direção;
• Proteger populações de alto risco e expostas aos efeitos nocivos do consumo de álcool deve ser parte integrante das políticas do álcool;
• Indivíduos e familiares afetados pelo uso nocivo do álcool devem ter acesso a prevenção e serviços de saúde eficazes e com preços acessíveis;
• Crianças, adolescentes e adultos que optam por não beber devem ser apoiados no seu comportamento e protegidos das pressões para beber;
• As políticas e intervenções públicas para prevenir e reduzir os malefícios do álcool devem abranger todos os tipos de bebidas alcoólicas.
Em relação à evidência de efetividade das intervenções, muitos estudos mostram que políticas de base populacional (ex: restringir acesso ao álcool e regulamentação das propagandas) são as intervenções com maior custo-benefício na redução dos danos causados pelo álcool. Também há fortes evidências comprovando a efetividade de políticas voltadas ao beber e dirigir.
Obs: para saber mais sobre as Estratégias Globais para Redução do Uso Nocivo do Álcool acesse: http://www.who.int/substance_abuse/activities/gsrhua/en/.
Considerações finais
Grande parte dos países citados no relatório demonstraram, nos últimos anos, maior compromisso e liderança no que concerne à redução do uso nocivo do álcool, com a maioria apresentando políticas nacionais principalmente voltadas ao beber e dirigir - como foi o caso do Brasil, com a sanção da Lei nº 12.760/2012 e a Resolução nº 432 de 23 de janeiro de 2013.
Para a OMS, a prevenção e redução do uso nocivo do álcool devem ser tratadas como prioridade e a organização enfatiza a necessidade de os países concentrarem mais esforços nas áreas-alvo recomendadas na Estratégia Global para Redução do Uso Nocivo de Álcool, para que seja possível alcançar a meta previamente estipulada de redução relativa de 10% no consumo nocivo mundial em 2025.
As políticas do álcool definidas em um país, e seu nível de eficácia, no que concerne ao controle e regulamentação, auxiliarão a determinar seu nível de vulnerabilidade ao uso nocivo e aos malefícios do álcool.